quinta-feira, outubro 18, 2007
segunda-feira, outubro 15, 2007
Existem, nas nossas linguagens, conceitos que não são unívocos quanto ao significado e quanto ao sentido que expressam. É o que acontece com o conceito e a realidade da “Vocação”. É um conceito e uma ideia muitíssimos reflectidos e estudados.
Para irmos ao encontro do significado de “vocação” podemos partir do facto de que “vocação” está relacionado com “voz” e com o radical latino “vocare”, ou seja “chamar”. É por isso que, no dizer de V. P. Magalhães, a própria palavra sugere algo ou alguém que nos convoca e nos provoca[1]. E se convoca e provoca, podemos dizer que da vocação farão parte também a resposta e a opção.
Mas, na reflexão do mesmo autor, surgem imediatamente algumas questões sobre a vocação como processo: Parece fácil. Mas […] surgem logo imensas questões: 1) Existe a tal vozinha interior que diz a cada um quem é e o que deve fazer? 2) Habitualmente fala-se de ter (e não ter) vocação: afinal é uma coisa que se tem? É da ordem do ter ou do ser? 3) E isso significa predestinação ou opção? […] 4) Qual é a relação entre vocação e profissão? 5) E entre vocação e vontade de Deus? 6) E como é que eu a conheço? 7) Quantas vocações existem?[2].
Diante de todas estas interrogações, é importante assumir algumas clarificações. A vocação não é uma espécie de sentimento (sentir ou não sentir), não se confunde com uma profissão (não é uma questão de ter jeito), não diz respeito apenas a algumas pessoas (é de todos), não é uma espécie de predestinação (é sim questão de liberdade), não é apenas uma opção individual e pessoal nem apenas comunitária. Trata-se sim de um chamamento interior e profundo.
A vocação é um processo de maturação, mais ou menos longo que se faz através da avaliação dos sinais (interiores e exteriores) que vão mostrando a cada pessoa com o que é que essa pessoa se identifica, o que é que a interpela e desafia, o que é que a provoca, a que é que adere mais profundamente (ou deseja aderir)[3].
segunda-feira, setembro 10, 2007
Calendário de actividades 2007/08
Outubro 2007
- 13 e 14. Outubro 2007: Actividades em Paróquias e / ou Movimentos e Grupos
- 20 e 21.Outubro, 2007 : Pré-Seminário (Seminário de Alcains)
- 3 e 4. Novembro 2007: Actividades em Paróquias e / ou Movimentos e Grupos
- 17 e 18. Novembro. 2007: Pré-Seminário (Seminário de Alcains)
- 8 e 9. Dezembro. 2007: Pré-Seminário (Seminário de Alcains)
- 15 e 16. Dezembro 2007: Actividades em Paróquias e / ou Movimentos e Grupos
- 12 e 13. Janeiro. 2008: Pré-Seminário (Seminário de Alcains)
- 19 e 20 . Janeiro. 2008: Actividades em Paróquias e / ou Movimentos e Grupos
- 23 e 24. Fevereiro. 2008: Pré-Seminário (Seminário de Alcains)
SDPVocacções: “Fim de semana com…”
- 23. Fevereiro. 2208: Retiro do Pré-Seminário
- 1 e 2. Março. 2008: Retiro Vocacional para jovens
- 8 e 9. Março. 2008: Pré-Seminário (Seminário de Alcains)
- 8 de Março 2008: Peregrinação Mariana do Pré-Seminário
- 15. Março. 2008: Dia Jovem
- 23. Março. 2008: Domingo de Páscoa
- 5 e 6. Abril. 2008: Pré-Seminário (Seminário de Alcains)
- 5 de Abril 2008: Jornada Vocacional Diocesana
- 12 e 13. Abril. 2008: Actividades em Paróquias e / ou Movimentos e Grupos
- 19 e 20. Abril. 2008: Actividades em Paróquias e / ou Movimentos e Grupos
- 10 e 11. Maio. 2008: Pré-Seminário (Seminário de Alcains)
SDPVocacções: “Fim de semana com…”
- 17 Maio. 2008: Passeio e visita de estudo do Pré-Seminário
- 18. Maio. 2008: Jornada “Portas abertas”
- 25. Maio. 2008: Peregrinação Diocesana a Fátima
- 14 e 15. Junho. 2008 - Pré-Seminário (Seminário de Alcains)
- 5 e 6. Julho. 2008: "Atreve-te" - campo de férias com os Seminaristas
sexta-feira, agosto 24, 2007
Deus não nos quer salvar sem nós
Preparando o Domingo XXI TC
A nossa relação com Deus é fortemente questionada pelos textos da liturgia este Domingo. Não basta apenas entender os ensinamentos de Jesus, sermos seus companheiros, partilharmos o seu pão na sua presença, para sermos salvos. Trata-se sim de nos comprometermos na nossa conversão, de nos comprometermos a aprofundar continuamente a nossa relação com Ele renovando a nossa forma de pensar e abandonando todas as dependências supérfluas deste mundo que passa. Dito de outra forma, trata-se de nos descentrarmos de nós próprios para nos deixarmos configurar a Cristo, Nosso Senhor. É Ele que é a Porta estreita. Somente n’Ele podemos realizar a nossa Páscoa em direcção à salvação, a passagem da morte das nossas perspectivas para entrarmos nas perspectivas de Deus. Trata-se de nos identificarmos sempre mais com Ele, a Porta, para podermos ter acesso à herança prometida.
Às vezes a situação pode parecer-nos perdida já que, tão “instalados nas terras do nosso exílio”, nos isolámos do próprio Deus. Mas o testemunho do Povo eleito e o ensinamento da Carta aos Hebreus fazem-nos acolher com alegria o ensinamento de Jesus: Deus é fiel e quer estar connosco e em nós.
Frei Elias, Família de S. José
sexta-feira, agosto 17, 2007
do
Tempo Comum
As divisões que Jesus anuncia deixam-nos algo derrotados já que Ele Se apresenta também como Príncipe da Paz, Aquele que vem reconciliar entre si e com o Pai do Céu. É evidente então que estas divisões não são da sua responsabilidade. As divisões e perseguições são o sinal das nossas resistências à sua Palavra, o sinal das nossas recusas e negações que fazem “matar os profetas”, o sinal do orgulho que nos faz querer viver longe da Fonte da nossa vida e de toda a vida. Estas divisões atingem-nos no mais íntimo de nós mesmos onde uma parte ainda resiste ao chamamento do amor. Mantenhamos os olhos fixos em Jesus. O trabalho de reconciliação em nós e em nosso redor será realizado por Cristo que por nós Se entregou na Cruz.
A Palavra de Deus é um fogo com o qual Jesus quer incendiar o mundo. É um fogo porque, logo que alcança alguém, transforma-o num raio que propaga o fogo da Boa Nova.
Irmão Domingos, Família de S. José
Maria não teve medo e o projecto de Deus realizou-se
Nossa Senhora é a expressão da humanidade que se mantém aberta diante do mistério de Deus e que concretiza a esperança de Israel. E, ao mesmo tempo, é a expressão do homem / humanidade enriquecido por Deus como mostram as palavras do anjo: O Senhor está contigo … encontraste graça diante de Deus.
Mais que João Baptista, mais que todos os profetas, Maria é o sinal, figura, da humanidade que, simplesmente, ama e espera. É o sinal, figura, da humanidade que aceita Deus, que acolhe a sua Palavra e se transforma em instrumento da sua revelação. E Deus é Quem age. Não Se deixa ficar longe ou fora da história, mas actua nela. E tudo, no relato do Evangelho, (palavra do anjo, resposta de Maria, presença criadora do Espírito), se encaminha para a salvação da humanidade.
Onde estás ? Perguntou Deus a Adão. E Adão, por medo, como relatam os Génesis, escondeu-se. Onde estás ? é a expressão de um Deus permanentemente á procura do homem, mas é também a expressão de um homem que tentou, por vergonha, fugir e esconder-se de Deus. A vergonha conduz à cautela (a desconfiança); a cautela conduz ao medo (não acreditar em mais ninguém); o medo conduz ao encobrimento das situações (a busca das pseudo-justificações); e o encobrimento das situações conduz à mentira (o auto-engano), conduz à vida escondida, aquilo que não se pode mostrar e não se pode ver.
Ora Deus vem onde nós estamos, quer dizer, vem onde nós somos e ao que nós somos. Onde estás ? não é uma interrogação para a destruição, mas uma inquietante procura para a salvação. A vergonha de nos deixarmos ver como somos será, então e sempre, impedimento à relação de confiança com Deus (como filhos diante do Pai).
Ao contrário de Adão que teve medo ao ouvir e sentir a aproximação de Deus, Maria experimenta e revela uma imensa confiança, um imenso amor, uma intensa inquietação. Novamente Deus vem onde está a humanidade. Mas a resposta de Maria não é como a de Adão ou de Eva. Maria, Nossa Senhora, é a expressão da humanidade que se mantém aberta diante do mistério de Deus. É a expressão da humanidade enriquecida por Deus como mostram as palavras do anjo: O Senhor está contigo … encontraste graça diante de Deus.
Por isso Maria é dita a nova Eva, aquela que dá o lugar e o ventre ao Novo Adão, Jesus Cristo, no mistério da encarnação, expressão máxima da intimidade de Deus com o homem e do homem com Deus, expressão máxima da confiança que venceu o medo e a hesitação.
Pode, por isso, S.Paulo cantar os louvores de Deus: Bendito seja Deus que, em Cristo, nos encheu de todos os bens. Foi em Jesus Cristo que nos tornámos herdeiros de Deus.
A solenidade da Imaculada Conceição de Nossa Senhora é, portanto, a celebração da imensa gratuidade de Deus que nos dá seu Filho Jesus Cristo como Aquele que, assumindo a nossa carne, comungando connosco, nos ensina o caminho para sairmos dos nossos medos de morte e de distância de Deus.
Diante do pecado alicerce e fundamento de todos os pecados (original, primeira pedra), Maria reflecte já o poder de Cristo Salvador, a Pedra angular, alicerce do homem novo. E por isso é dita imaculada desde o seu nascimento.
O dogma da Imaculada Conceição
Este Dogma da Imaculada Conceição de Nossa Senhora, segundo o qual Maria, desde o momento da sua concepção, foi preservada de qualquer sinal do pecado original, foi promulgado pelo Papa Pio IX em 8 de Dezembro de 1854 e constitui, ao tempo, uma verdadeira inovação. É a primeira vez que o Papa proclama uma definição dogmática independentemente de qualquer assembleia conciliar[1].
Ouçamos o texto do Dogma para, em seguida, tentarmos perceber como pode Maria, na sua Maternidade divina, ser “dogmatizada”.
Para honra da santa e indivisa Trindade, para glória e louvor da Virgem Mãe de Deus, para exaltação da fé católica e aumento da religião cristã, com a autoridade de nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo e com a nossa declaramos, proclamamos e definimos que a doutrina que sustenta (afirma) que a Santíssima Virgem Maria foi preservada imune de toda a mancha do pecado original desde o primeiro instante da sua concepção por singular graça e privilégio de deus Omnipotente, em atenção aos méritos de Cristo Jesus Salvador do género humano, está revelada por Deus e deve, portanto, ser firme e constantemente acreditada por todos os fiéis[2].
É desta forma que o texto da definição dogmática se refere à concepção de Nossa Senhora. A Virgem Maria foi, portanto, preservada do pecado. Preservada significa que não chegou a entrar no pecado ou o pecado a entrar nela. E essa, como veremos é a grande questão que estará em debate[3].
Fundamentos do Dogma da Imaculada Conceição
A festa da imaculada Conceição tem por origem a festa da concepção de Santa Ana, festa que aparece no início do séc. VIII nas Igrejas do Oriente. A partir da Igreja oriental essa tradição atingiu rapidamente a Itália na altura do domínio bizantino e, a partir daí se difunde..
Ainda antes de a vermos aparecer na França damos conta da sua presença em Inglaterra e na Irlanda onde foi introduzida por peregrinos regressados da Terra Santa.
É no séc. XII que a festa da concepção de Santa Ana se converteu definitivamente na festa da concepção de Nossa Senhora.
Desde muito cedo, contudo, os Padres da Igreja e a tradição em geral, ensinaram este “privilégio” excepcional que faz da Virgem Maria uma criatura singular.
Quando, nos inícios do Cristianismo, Maria é descrita como Nova Eva (sobretudo por Sto Ireneu, Adv Haereses, III, 22, 4 e V, 19, 1) o que se afirma é a santidade perfeita de Maria.
Claro que mesmo os Padres do séc. II tiveram ideias discrepantes a respeito da santidade de Maria.
Por exemplo, Tertuliano defenderá, a partir do episódio bíblico em que Maria e os discípulos queriam ver Jesus, que Maria vacilou na fé. Para Tertuliano o texto de Mt 12, 24 tem de ser lido de forma simbólica e, nesse sentido, quando se diz que Maria e os outros irmãos de Jesus ficaram de fora da porta está a simbolizar-se a atitude dos judeus: em Maria e nos outros irmãos estão prefigurados a Sinagoga e os Israelitas que se abstêm de entrar no Reino que Jesus anuncia e do qual é sinal.
Já Orígenes tem uma ideia muito mais positiva da santidade de Maria fazendo-a derivar do Verbo de Deus que Maria traz no seu seio. Contudo, segundo ele, Maria não estaria totalmente isenta de culpa já que também ela esteve sujeita ao “escândalo” da Cruz. Orígenes fala da universalidade da redenção e inclui nela a Maria.
E esta será também a posição dos Padres da Igreja do séc. IV no Oriente: por um lado acreditam na santidade de Maria que deriva do facto da sua maternidade divina e para a qual foi purificada antecipadamente pelo Espírito Santo. Mas, por outro lado, afirmam para Nossa Senhora a necessidade de participação nos frutos da redenção.
É nesse sentido que, em finais do séc. IV, S. João Crisóstomo expressa, podemos dizer, uma visão pessimista da santidade de Maria. E aponta como razões e exemplos a dificuldade em acreditar na mensagem do Anjo Gabriel (“Como será isso?”); em Caná quis avançar de mais e Jesus teve de lhe chamar a atenção (“Mulher que há entre nós?”); olhava muita vez para Jesus como um simples homem. Diz o mesmo S. João Crisóstomo que aquilo de que se tratava neste episódio era de uma ambição desmesurada de Maria por se querer mostrar como a Mãe de Jesus.
Quase na mesma linha nos aparece S. Cirilo de Alexandria para quem Maria vacilou na fé. É, aliás, por isso, afirma, que Maria necessitará do apoio do discípulo João.
Claro que estas denominadas fragilidades não impedem os Padres do Oriente de chamar santa e santíssima a Nossa Senhora e, mais do que isso, de a apresentar como modelo de vida. Esta é a posição que a Igreja Ortodoxa mantém ainda hoje e pela qual nega a Imaculada Conceição.
Não obstante todas as dúvidas manifestadas, o Concílio de Éfeso (431) e a sua declaração sobre Nossa Senhora como Téotokos, provoca um enorme crescimento da piedade mariana no Oriente.
Já no Ocidente o entusiasmo é menor por estar em curso uma grande reflexão sobre o pecado original e uma verdadeira luta entre as teorias agustinianas e pelagianas. E como dessa luta surgia cada vez mais explicitamente que apenas Jesus era isento do pecado dito original, Maria seria um tema sem interesse. Aliás, dela afirmar-se-ia que não era isenta do pecado original.
Pelágio estava convencido da total santidade de Maria e indicava-a como exemplo do que pode realizar a natureza humana quando recusa o pecado. Sto. Agostinho responder-lhe-á que essa prorrogativa é um privilégio devido ao facto de Maria ser a Mãe de Deus.
Sto Agostinho não atribui, no entanto, o pecado dito pessoal, a Nossa Senhora e professa a sua santidade total e absoluta. Sublinha, no entanto, e sempre, que isso se deve a uma graça especial recebida em louvor do próprio Deus.
Nesta troca de ideias, a questão vai centrar-se na discussão em torno do pecado original. Sto. Agostinho mantém a perspectiva de que toda a humanidade está sob o poder do pecado original à excepção do próprio Cristo. Outros contemporâneos seus excluem Maria ao pecado original. E a questão de divergência vai residir neste ponto. A questão da imaculada concepção de Nossa Senhora ficará então directamente relacionada à questão do pecado original.
Segundo Sto Agostinho, Nossa Senhora não está sob a influência do pecado senão pelo facto de que o pecado alcançou toda a humanidade até ao momento em que a humanidade alcançou a regeneração[4]. Para Sto Agostinho, todo o ser humano vem ao mundo com a herança do pecado de Adão que representa não só o pecado pessoal, mas também a contaminação de toda a natureza humana.
No Oriente a Igreja não experimentará as mesmas dificuldades e sentirá um enorme impulso de piedade e reflexão mariana após o Concílio de Éfeso em 431. Na pregação vão abundando cada vez mais os elogios ao papel de Maria na História da Salvação.
No séc. VIII, contudo, a situação torna-se mais clara. André de Creta (+ 740) opina que toda a vida de Maria decorreu sem mancha e sem pecado. Maria é comparada à terra pura da qual Deus formara Adão e o nascimento de Maria é comparado à criação da primeira mulher antes do pecado. O novo Adão (Jesus) e a nova Eva (Maria) são virgens de todo o pecado. Por isso Maria tem em si as primícias de toda a salvação e de toda a divinização.
É neste século que se dá um passo muito importante: da reflexão da santidade inicial de Maria passa-se à afirmação da sua santidade original. Daí que se comece a chamar com maior evidência “santa” e “imaculada” à Virgem Maria e se comece a celebrar a sua imaculada concepção.
S. João Damasceno que, em certo sentido, recapitula a teologia dos Padres da Igreja do Oriente dirá então que, em Maria, tudo se deve à sua maternidade divina. É por ser Mãe e para ser Mãe de Jesus que é concebida sem pecado.
No Ocidente, ao contrário, as opiniões continuam marcadas pelo pensamento de Sto. Agostinho. Só Cristo evitou o pecado desde o seu nascimento.
Pascácio de Radberto (790-860) afirmará a imaculada conceição de Nossa já que, segundo ele, Maria nunca terá tido contacto com o pecado.
Nesse sentido, a festa da Conceição de Maria existente no Oriente passa ao Ocidente em meados do séc. XI e difunde-se no séc. XII por toda a Europa.
Os séculos XI a XVIII – as discussões teológicas
É, portanto, na continuação da discussão anterior que se chega ao séc. XI. A questão da imaculada concepção de Nossa Senhora continuou a ser matéria de reflexão dos teólogos latinos e as diferenças continuaram a afirmar-se.
Santo Anselmo, S. Bernardo e S. Tomás negarão a Imaculada Conceição de Nossa Senhora na medida em que vai contra a universalidade do pecado original e, consequentemente da redenção.
S. Bernardo, por exemplo, um grande devoto de Nossa Senhora, não aceita a Imaculada Conceição de Maria. S. Bernardo colocará Maria entre as outras personagens singulares do Antigo e do Novo Testamento, mas dirá que isso não chega para colocar em relevo a sua concepção. Só o Senhor Jesus, afirmará ele, foi concebido pelo Espírito Santo e só Ele é santo desde a sua concepção. Exceptuando Jesus, todos os outros filhos de Adão serão iguais.
S. Bernardo recusa, portanto, a Imaculada Conceição como sendo incompatível com o pecado original.
Também S. Tomás de Aquino não vê como será possível conciliar a universalidade do pecado original e da redenção com a Imaculada Conceição de Nossa Senhora. Segundo S. Tomás há um grave problema: é que só pode ser santificado aquilo que existe. E se Maria ainda não existia (antes da sua concepção) como poderia ser santificada ? Então S. Tomás fala da santificação de Maria como de uma purificação total do pecado original.
S. Boaventura introduzirá nesta reflexão um outro aspecto. Dirá ele que Maria foi redimida sob o modo de preservação do pecado e não sob a forma da purificação de pecado.
Mas é Duns Scoto (1266-1308) que elabora uma solução e a resposta a todas as objecções à imaculada conceição de Nossa Senhora: Segundo ele, Maria foi resgatada pela Cruz de Cristo em previsão dos méritos de seu Filho.
Maria teria contraído o pecado hereditário se a graça do redentor não a tivesse preservado. E porquê esta preservação ? Por causa da excelência de Maria, por ser a primeira benificiária da salvação e da reconciliação.
É então a partir de Duns Scoto que a situação doutrinal acerca da imaculada conceição de Nossa senhora se vai inverter. E é a partir deste “princípio da excelência “ que acaba por se diminuir a oposição entre a universalidade do pecado original e a imaculada conceição de Nossa Senhora. A imaculada conceição de Nossa Senhora não subtrai Maria à redenção de seu Filho, antes, pelo contrário, enquanto redenção preventiva é o fundamento de onde parte. Se o pecado original não impede ninguém de receber o baptismo, porque é que havia de impedir a santificação inicial de Maria ?
De seguida, em 1439, o Concílio de Basileia define a Imaculada Conceição de Nossa Senhora como festa a 8 de Dezembro para toda a Igreja. Claro que, como este Concílio era cismático, o texto não foi bem acolhido e não ganha imediatamente valor magisterial.
A Imaculada Conceição de Nossa Senhora continua, por isso, a ser causa de discussão e mesmo divisão na Igreja e, nesse sentido, o Papa Sisto IV declara em 1483 que a Imaculda Conceição de Nossa Senhora é uma doutrina livre. O Papa proíbe nessa altura a cada uma das facções que acuse de herética a contrária.
E é a esta declaração que se remete o Concílio de Trento no final do Decreto sobre o pecado original quando declara que não é sua intenção incluir nesse decreto um capítulo sobre a Bem-Aventurada e Imaculada Virgem Maria, Mãe de Deus, mas que retoma as orientações do Papa Sisto IV.
Esta é uma declaração que se reveste de singular importância porque reconhece a importância da argumentação que pretende conciliar a universalidade do pecado original e da redenção com a Imaculada Conceição de Nossa Senhora. Ou seja, ao mesmo tempo que proclama que o pecado original não tem nenhuma excepção, proclama também que essa excepção é possível. De Trento, contudo, não sai nenhuma definição dogmática nesse sentido.
A questão continuou a debater-se até ao séc. XIX . Paulo V e Gregório XV, Papas do séc. XVII, pedem que, em virtude das acesas discussões que o tema sempre gera, os cristãos se abstenham de tomar posição e os clérigos se abstenham de pregar sobre a Imaculada Conceição de Nossa Senhora. A certa altura, Gregório XV impôs mesmo o silêncio sobre o assunto e ordenou que se continuasse a celebrar apenas a festa da Concepção de Nossa Senhora e não a da Imaculada Conceição (Concepção sem nenhum qualificativo).
Em 1661 o Papa Alexandre VII aprova oficialmente o culto à Imaculada Conceição e reconhece a antiguidade desse mesmo culto mas não o impõe à Igreja.
Pio IX, a Bula “Ineffabilis Deus” e o dogma da Imaculada Conceição
Em 8 de Dezembro de 1854 o Papa Pio IX, depois de consultar todos os bispos do mundo, procedeu à definição solene do dogma da Imaculada Conceição.
O que muda no texto em relação aos escritos de Alexandre VII é a diferença entre crença (culto livre) e revelação (acolhida enquanto Igreja). O Papa afirma que Maria foi isenta de pecado desde o início da sua existência. Foi resgatada por seu Filho, por uma graça especial, já que foi preservada e não apenas purificada.
E, para fundamentar a definição, o Papa opina que a doutrina da Imaculada Conceição está consignada nas Sagradas Escrituras citando os textos de Gen 3, 15 e Lc 1, 28. 42.
16.Também o Concílio Vaticano II se expressará a respeito da Imaculada Conceição (LG 56).
Uma palavra sobre Portugal
Entre nós, o documento mais antigo que se conhece com referência à Imaculada Conceição de Nossa Senhora é uma Constituição de D. Raimundo Evrard, bispo de Coimbra (17. Outubro. 1320) determinando a realização da festa da Imaculada nesse mesmo ano em Coimbra. A devoção à Imaculada Conceição de Nossa Senhora viria, no entanto, popularmente, já muito de trás e continuaria para sempre intimamente ligada à vida da Igreja e diocese de Coimbra.
Em 1617 a Universidade de Coimbra manifesta ao Papa a sua aceitação e fé na imaculada Conceição. Em 1634 o Bispo D. Lopo de Almeida congrega o Clero e, juntos, juram defender a imaculada Conceição de Nossa Senhora. Em 1637 o Concílio Diocesano de Coimbra faz novamente juramento de defesa da Imaculada Conceição.
E, em 25 de Março de 1646, restaurada a independência de Portugal e do seu reino, nas cortes celebradas em Lisboa, declarou el-rei D. João IV que tomava a Virgem Nossa Senhora da Conceição por padroeira do Reino de Portugal, prometendo-lhe em seu nome, e dos seus sucessores, o tributo anual de 50 cruzados de ouro.
Ordenou o mesmo soberano que os estudantes na Universidade de Coimbra, antes de tomarem algum grau, jurassem defender a Imaculada Conceição da Mãe de Deus.
Não foi D. João IV o primeiro monarca português que colocou o reino sob a protecção da Virgem Mãe, apenas tornou permanente a sua devoção.
D. João I já punha nas portas da capital a inscrição louvando a Virgem, e erigia o convento da Batalha a Nossa Senhora, como o seu esforçado companheiro D. Nuno Alvares Pereira levantava a Santa Maria o convento do Carmo.
Foi pois por provisão de 25 de Março do referido ano de 1646 que se mandou tomar por padroeira do reino Nossa Senhora da Conceição.
Imaculada Conceição de Nossa Senhora
Chegados ao fim dos aspectos histórico-teológicos do debate em torno da Imaculada Conceição de Nossa Senhora, afirma-se uma questão muito clara: qual teve de ser a santidade da mulher que estava destinada por Deus a ser a Mãe de seu Filho ? Ou seja, qual é a santidade da mulher que está chamada a ser a Mãe do Santo dos Santos ?
A resposta a estas questões encontramo-la precisamente na relação de Maria a Cristo. A santidade de Maria não é em primeiro lugar uma santidade moral, mas uma santidade que lhe advém da sua própria vocação. Então a pergunta pode fazer-se de uma outra maneira: qual é a santidade que é necessária que exige a função de Mãe de Deus ? Qual foi a graça da Mãe que é fonte de todas as graças ?
É destas questões que brota a resposta: a Mãe do Santo por excelência tinha que estar livre de toda a sujeição ao pecado. O Filho não quis que aquela que seria sua Mãe tivesse estado sujeita ao poder do maligno.
Maria recebeu, portanto, a graça com a existência. E por isso foi preservada do pecado. Sobre a solidariedade com Adão prevaleceu a solidariedade, como futura Mãe, com Jesus Cristo. É desta forma que também Maria recebe os frutos da redenção: redenção preventiva, purificação antecipada, que a subtrai aquilo que podemos chamar a “desgraça do pecado”.
A Imaculada Conceição de Nossa Senhora fundamenta-se, pois, sobre a maternidade messiânica de Maria. Maria é, de facto, desde o primeiro instante, a futura Mãe do Redentor. A futura maternidade messiânica é, portanto, uma situação de graça, um estado de graça.
quinta-feira, agosto 09, 2007
Certamente a maior parte de nós morre “sem ter visto a realização das promessas; mas vemo-las e saudamo-las de longe” (2ª leitura). A nossa fé é fidelidade a essa promessa, a esse futuro que orienta toda a nossa vida e faz de nós infatigáveis peregrinos do Reino. Cada Eucaristia relança a nossa caminhada: Jesus vem ter connosco para nos guiar para a frente, nós que somos “estrangeiros e peregrinos sobre esta terra” à procura de uma “pátria melhor, a dos céus” (2ª leitura). Dia após dia podemos prosseguir o nosso caminho e acelerar o passo no caminho da eternidade na medida em que acolhemos Cristo ressuscitado no nosso coração. Porque “a fé constitui a garantia dos bens que se esperam, e a prova de que existem as coisas que não se vêem” (2ª leitura). E isso desde que seja uma fé viva e activa pela caridade, ou seja, efervescente de um ardente desejo de comunhão, porque “onde está o nosso tesouro aí está o nosso coração”.
A vida cristã autêntica é uma vida sempre orientada para o Senhor que vem, vivida numa ardente espera do seu regresso: “Maranatha! Vem Senhor Jesus!” (Ap 22, 20). É o que nos ensina o próprio Jesus no Evangelho deste dia quando nos exorta insistentemente à vigilância: “Tende as vossas cintas apertadas e as vossas lâmpadas acesas. Sede como homens que esperam o seu senhor, quando voltar do seu casamento, para, assim que ele chegar e bater, lhe abrirem logo a porta. Estai vigilantes” (Evangelho).
Esta espera não é algo de puramente passivo: o servo fiel e sensato é aquele que, à chegada do seu senhor, está vigilante e no seu lugar. E a tarefa que lhe está confiada não é outra senão o serviço da caridade a exemplo do seu mestre. O senhor, aliás, tomará o lugar de servidor:”há-de apertar a cinta e mandar que eles tomem lugar à mesa e, passando diante deles, servi-los-á”. Esta é a lógica do Reino anunciado por Cristo: “os reis das nações pagãs chamam-se mestres a si mesmos, e os que exercem o poder fazem-se chamar benfeitores. Para vós não deve ser assim. O maior entre vós tome o lugar do mais pequeno, e o que manda tome o lugar do servo. Quem é, de facto, o maior? O que serve ou o que está à mesa? Não é quem está à mesa? Pois Eu estou no meio de vós como quem serve!” (Lc 22, 25-27).
À imagem do seu Mestre e Senhor, o cristão é chamado a tornar-se servidor da caridade colocando-se ao serviço dos seus irmãos na gratuidade de uma amor desinteressado e não desejando senão acelerar a chegada do Reino obedecendo à Palavra do Senhor. Para permanecer nesta orientação de vida, no meio de tantas e tantas solicitações do mundo, é indispensável tender para “as realidades do alto e não para as da terra. Com efeito nós morremos com Cristo e a nossa vida está escondida com Ele em Deus. Quando Cristo surgir, nós surgiremos com Ele” (Col 3, 2- 4).
Que o Senhor nos dê a graça de uma vigilância interior; que nós O possamos aguardar e esperar com uma “santa impaciência”; que a esperança do seu regresso iminente nos guarde despertos na fé e animados de um ardente zelo au serviço dos nossos irmãos.
Padre José Maria, Família de S. José
segunda-feira, agosto 06, 2007
Celebrar Nossa Senhora da Saúde é celebrar a Salvação da Humanidade em Jesus Cristo. A Salvação de Deus, em Jesus Cristo, nascido da Virgem Mãe, abrange todo o homem e o homem todo tanto na sua vida de peregrino na terra como enquanto cidadão do Céu. Por Cristo a condição do homem muda radiclamente: da opressão passa à liberdade; da ignorância passa ao conhecimento; da tristeza à alegria; da enfermidade passa á saúde; da morte à vida; de participante no pecado passa à participação na vida de Deus.
Salvação é o próprio Jesus Cristo, mas também a Virgem Mãe socorre com amor os que se encontram em dificuldade. Celebrar Nossa Senhora da Saúde equivale a celebrar o momento peculiar da História da Salvação em que o mal e o pecado são vencidos por Jesus Cristo. A Mãe da Saúde é a Mãe de Cristo que nos continua a dizer como em Caná da Galileia "Fazei o que Ele vos disser".
Foi a celebração deste mistério que aconteceu em Belide (Condeixa-a-Nova) nos últimos dias 2 a 6 de Agosto. Do mesmo modo, em muitas outras localidades desta Terra de Santa Maria, se celebra Nossa Senhora com muitas invocações por estes dias. O mistério celebrado é sempre o mesmo: Deus fez-Se Homem e escolheu como caminho de aproximação à Humanidade o seio da Virgem Maria. Maria disse "sim" e é imagem e figura de cada crente, figura e imagem da Igreja. Que Nossa Senhora, que soube acolher, entender, guardar e entregar ao mundo a Palavra de Deus, nos ensine e ajude a acolher, entender, guardar e entregar a mesma Palavra.
Oração de S. Bernardo a Nossa Senhora:
Lembrai-Vos, ó piíssima Virgem Maria, que nunca se ouviu dizer que algum daqueles que têm recorrido à vossa protecção, implorado a vossa assistência, e reclamado o vosso socorro, fosse por Vós desamparado. Animado eu, pois, de igual confiança, a Vós, Virgem entre todas singular, como a Mãe recorro, de Vós me valho e, gemendo sob o peso dos meus pecados, me prostro aos Vossos pés. Não desprezeis as minhas súplicas, ó Mãe do Filho de Deus humanado, mas dignai-Vos de as ouvir propícia e de me alcançar o que Vos rogo. Amen.
Oração a Nossa Senhora da Saúde:
Virgem puríssima, que sois a Saúde dos enfermos, o Refúgio dos pecadores, a Consoladora dos aflitos e a Despenseira de todas as graças, na minha fraqueza e no meu desânimo apelo, hoje, para os tesouros da vossa misericórdia e bondade e atrevo-me a chamar-vos pelo doce nome de Mãe. Sim, ó Mãe, atendei-me em minha enfermidade,dai-me a saúde do corpo para que possa cumprir os meus deveres com ânimo e alegria, e com a mesma disposição sirva o vosso Filho Jesus e agradeça a vós, Saúde dos enfermos. Nossa Senhora da Saúde, rogai por nós. Amen.
Oração a Nossa Senhora da Saúde - II
Nossa Senhora da Saúde, a Ti recorremos implorando a saúde. Tu que, por vontade do Pai, foste responsável pela saúde de Nosso Salvador, ajuda-nos a readquirir a saúde. Tu que educaste o Menino Jesus, amigo solidário dos pobres e doentes, com maternal presença ajuda-nos, para que possamos viver confiantes na salvação eterna, também nos momentos mais difíceis da doença. Mãe protectora, ajuda-nos a recuperar as forças físicas e morais, para que vivamos na alegria do Evangelho de Jesus Cristo, na dimensão do Amor e da Fraternidade, assumindo e respondendo ao Amor Infinito que Deus tem para cada um de nós. Amen.
sábado, agosto 04, 2007
P. José Manuel Marques Cardoso, conservando as actuais funções, é
nomeado pároco de Constância.
Cón. António Leonor Marques Assunção, é nomeado pároco de Alcains.
Cón. Martinho Cardoso Pereira, mantendo as actuais funções é nomeado
pároco de Isna.
P. José Mendes Fernandes Antão, mantendo as actuais funções, é
nomeado pároco de Madeirã.
P. Luís Manuel Antunes Alves, mantendo as actuais funções, é nomeado
pároco da Montes da Senhora.
P. Emílio Ramiro Andrade Salgueiro é nomeado Vigário Paroquial de
Montes da Senhora.
P. Ilídio Santos Graça, CPPS, pároco in solidum de Proença-a-Nova,
Peral e S. Pedro do Esteval, ficando moderador da equipa.
P. José Luís Ferreira Francisco, CPPS, é nomeado pároco in solidum de
Proença-a-Nova, Peral e S. Pedro do Esteval.
P. Armando Tavares Pereira Alves, CPPS, é nomeado pároco in solidum
de Proença-a-Nova, Peral e S. Pedro do Esteval.
P. Virgílio da Mata Martins, CPPS, é nomeado pároco in solidum de
Proença-a-Nova, Peral e S. Pedro do Esteval.
P. Alberto Jorge Porfírio Domingos Tapadas é nomeado Secretário
Geral da Cúria Diocesana.
Diác. Daniel Catarino Bernardo Fernandes, continuando ao serviço de
Proença-a-Nova, é nomeado para as paróquias de Peral e S. Pedro do
Esteval.
Diác. Manuel Lopes Cardoso, continuando ao serviço de Proença-a-Nova,
é nomeado para as paróquias de Peral e S. Pedro do Esteval.
Portalegre, 1 de Agosto de 2007
+José, Bispo de Portalegre-Castelo Branco
quarta-feira, agosto 01, 2007
Francisco de Assim conhece Isaías […] conhece bem a Bíblia […] A voz de Deus está na Bíblia sob toneladas de tinta, como a energia concentrada sob toneladas de betão numa central atómica. O jovem de Assis foi irradiado por esta voz. Já nada mais quer senão transmiti-la […].
Há algo no mundo que resiste ao mundo, e este algo não se acha nas igrejas nem nas culturas nem no pensamento que os homens têm de si próprios, na crença mortífera que eles têm de si próprios enquanto seres sérios, adultos, razoáveis, e este algo não é uma coisa, mas Deus, e Deus não pode caber em nada sem logo o abalar, o arrasar, e Deus imenso não sabe caber senão nos estribilhos de infância, no sangue perdido dos pobres ou na voz dos simples, e todos esses abarcam Deus no côncavo das suas mãos abertas, um pardal encharcado como pão pela chuva, um pardal transido, chilreador, um Deus pipilante que vem comer nas suas mãos nuas.
Deus é o que sabem as crianças, não os adultos. Um adulto não pode perder tempo a alimentar os pardais».
Christian BOBIN, Um Deus à flor da Terra, 98.
terça-feira, julho 31, 2007
- questões em torno da fé - 2 -
1. Sinais da abertura à questão de Deus
Sendo a fé , fundamentalmente, uma atitude de confiança, uma relação pessoal (crer), ela engloba igualmente a adesão a uma verdade revelada (aquilo em que se crê: Deus revelado em Jesus Cristo). O acto de confiar e o motivo da confiança constituem uma unidade. Creio em Deus, Pai Omnipotente ... e em Jesus Cristo, Filho Unigénito ... Salvador ..., e no Espírito Santo ... que dá a vida. De um ponto de vista formal, a fé é acolhimento da realidade de Deus e adesão à revelação que Deus faz de si.
Desta forma, a fé é um acto pessoal. E, nessa medida, encontra na própria pessoa algumas das condições da sua existência. Não se pode dizer tratarem-se de “provas da necessidade” da fé. Se assim fosse seria contraditório. Trata-se sim de algumas experiências humanas que são sinais da abertura do homem, em liberdade e enquanto homem, à questão de Deus. Significa que no próprio sujeito da fé – o homem - encontramos condições de aparecimento dessa mesma atitude cristã de fé.
P. Emanuel Matos Silva
segunda-feira, julho 30, 2007
- questões em torno da fé -1 -
Eu creio, eu tenho fé. Parece algo fácil e simples de dizer. Foi-nos dado acreditar. Mesmo se confundimos o acto de crer (acreditar) com aquilo em que acreditamos ( o conteúdo acreditado). Nascemos numa família, num contexto, em que a fé se transmite naturalmente. E, nesse sentido, pode dizer-se que “fé” é a palavra cristã por excelência. O Cristianismo, talvez mais do que outra realidade religiosa, merece o nome de fé. É a própria Sagrada Escritura que utiliza o termo para se referir ao movimento/dinamismo de seguimento e identificação com Jesus Cristo.
Mas a afirmação da fé, o “eu creio”, pode não ser tão simples. Referindo-se ao homem como ser aberto e à escuta, capaz de ouvir e acolher, a Escritura e o pensamento cristão referem-se à atitude de resposta como sendo a fé. Significa que o homem passa de ouvinte a crente, passa da procura ao acolhimento.
É precisamente neste percurso que vai do “ouvir” ao “aderir” que surgem algumas interrogações. O que é que há, para além do homem, que valha a pena ouvir e que contenha tanta novidade? Que necessidade há de ouvir ou abrir ? Não é a experiência subjectiva das coisas e da vida a única capaz de dar sentido à vida de alguém ? No mundo do provável e do experimentado qual o lugar que se reserva à atitude de fé ?
Sem respostas simples somos reenviados ao homem e à sua questão. Ele é alguém à procura de sentido. É inquieto, interrogativo e inquietante. E quando, nesse processo de procura, ele manifesta disponibilidade interior para a novidade não controlável por si, nasce um tipo de relação diferente com o mundo, com as coisas e com os outros. A sua subjectividade não esgotou o horizonte da sua procura e da tentativa de resposta. E a questão da fé, ou mesmo a questão de Deus, nasce dentro da questão do sentido. É quando o homem se interroga sobre e pelo sentido que se pode encontrar com Deus e que pode acreditar. E o sentido encontra-se sempre na referência da vida a valores ou na referência da vida a ideais que têm capacidade de dinamizar a mesma existência. É que “procurar” abre o homem ao encontro com o sentido da vida e com Deus, enquanto “exigir provas” limita a disponibilidade e o horizonte da revelação daquilo que pode ser totalmente novo para o homem. Sobretudo se a “prova exigida” corresponder a um requisito pré definido. Na fé, como em muitos outros campos da vida, o preconceito mata o futuro da relação. É engraçado pressentir que quando exigimos provas a Deus nos encontramos, a maioria das vezes, apenas connosco próprios e com o nosso mundo e seus problemas.
Talvez haja cada vez menos coisas a carecer de uma explicação racional para existirem. Hoje quase tudo tem uma explicação. E, no entanto, continua a ter sentido acreditar, ter fé. Esse facto não limita em nada a fé cristã. Porque a fé é da ordem da relação. É uma forma original de relação a um objecto de conhecimento. E só relacionando-nos acreditaremos e conheceremos.
Conhecimento, confiança e comunhão são aqui aspectos da totalidade humana que, estando presentes em todos os processos da vida humana, estão também presentes no processo de adesão a Deus. Ser, saber e querer. Deus e homem são sujeitos livres de uma acção.
Por isso se falará da fé como dom de Deus, fruto de uma acção do Espírito de Deus, mas também, simultaneamente, como decisão livre e racional do homem. E, embora pessoal, nunca realizada no isolamento. Supõe os outros, a comunidade, a experiência da vida.
Crer, acreditar, não será, portanto, apenas um acaso. Não é possível crer sem querer. Para querer algo é preciso acreditar que vale a pena. É preciso crer no seu valor. Mas também é verdade que se não quero não posso crer. Seria, neste caso, uma crer vago, vazio, sem força definidora devida.
A questão é a do desejo. Somos seres de desejo, somos uma ânsia em busca de harmonia, de afecto e de sentido e só aderimos àquilo que percebemos como oferecendo-nos esse valor. Essa adesão de coração é um acto de fé. Ninguém me pode provar esse valor, mas, na medida em que o queira aprofundar e saborear, comprova-se ou não a sua realidade. A fé não se prova, comprova-se pelos frutos desse desejo[1].
Um caminho possível para compreendermos o que é a atitude de fé é o facto de que a vida do dia a dia está cheia de “formas elementares de fé”. É aquilo que podemos definir como a fé no outro, nas próprias possibilidades, na vida em sociedade, na palavra dada, na relação estabelecida, etc. É o facto de que ninguém aguenta viver muito tempo sem um alicerce de confiança, de amor, de esperança.
Enquanto caminho para compreender o que é a fé cristã, este caminho tem a sua validade na medida em que nos aponta estruturas universais do homem que são requeridas para a sua felicidade. E, nessa medida, aponta para a fé como uma atitude humana. É uma atitude do homem e não contradiz aquilo que o homem é por definição e constituição.
Mas a fé cristã tem uma especificidade e uma originalidade que não se resumem a estes factores. A fé cristão não é o mero resultado das interrogações humanas nem se esgota nas suas potencialidades. Ela é algo de novo na vida do homem. Enquanto valor e ideal, a fé cristã implica o homem no próprio processo do seu nascimento e crescimento, mas supõe sempre a revelação de Deus. É por isso que a podemos definir como uma atitude de resposta. A sua originalidade e especificidade têm que ver com o conhecimento, a confiança e a comunhão que, por Jesus Cristo, o homem estabelece como relação com Deus.
Amar, conhecer, confiar, comungar são da lógica do sair de si mesmo, são da lógica do aproximar-se. É a mesma lógica da fé: receber-se do facto de se dar, encontrar razões e caminhos pelo facto de se desarmar, de se abrir e dispor a acolher. O que é diferente da anomia, da indiferença ou mera passividade. Ao que é que vale a pena ligar-se e aderir ? A fé, bem como o ver o invisível, não é contraditória. É paradoxal, exige sabedoria, perspicácia, sentido crítico, procura e paciência fiel. O povo diz, muitas vezes, que “quem não se fia não é de fiar”. Com Deus e em Deus, quem não confia não é capaz de acreditar.
Que(c)rer não é um trocadilho de palavras. É o desafio a que, querendo, levantando os olhos ao redor, acreditemos.
P. Emanuel Matos Silva
sábado, julho 28, 2007
O domingo é o dia da celebração da ressurreição de Cristo. Os relatos evangélicos são unânimes na afirmação de que o acontecimento da ressurreição se deu ao amanhecer do primeiro dia da semana (Mt 28, 1; Mc 16, 2; Lc 24, 1; Jo 20, 1). É o dia em que Jesus ressuscita e aparece aos Apóstolos reunidos (Jo 20, 19). É o dia em que Jesus caminha e se revela aos discípulos que caminham para Emaús e que O reconhecem ao partir do pão (Lc 24, 13-35). É, fundamentalmente, o dia em que Jesus Se mostra vivo e vencedor da morte, de todas as mortes.
Partindo da ressurreição como fundamento, a reunião da assembleia cristã, a escuta da Palavra e a Eucaristia são, portanto, os elementos característicos do Domingo e os fundamentos da sua vivência espiritual. De facto, no Domingo, os cristãos reúnem-se para que, escutando a Palavra de Deus e participando na Eucaristia, recordem a paixão, a ressurreição e a glória do Senhor dando graças a Deus.
P. Emanuel Matos Silva
quinta-feira, julho 26, 2007
Na 1ª leitura somos convidados a contemplar uma súplica de Abraão junto de Deus pelos habitantes de Sodoma. É uma oração animada pela compaixão à imagem da compaixão de Deus pelos homens. É essa a razão da confiança e da audácia para a intercessão de Abraão. E aqui encontramos um dos dramas de toda a oração: a prova da fé na fidelidade de Deus à sua Aliança de amor com os homens.
O Salmo, por sua vez, aparece como modelo de toda a oração de acção de graças: “De todo o coração, Senhor, eu vos dou graças”, “Pela vossa verdade e amor dou graças ao vosso Nome”. A relação com a primeira leitura estabelece-se pelo facto da acção de graças ser sempre uma expressão da oração de fé.
No Evangelho, o próprio Jesus nos assegura que as nossas orações serão sempre ouvidas: “Pedi e dar-se-vos-á; procurai e encontrareis; batei e abrir-se-vos-á”. Jesus não especifica o que é que se nos abrirá ou o que é que encontraremos. Diz-nos somente que “Quem pede recebe, quem procura encontra, e a quem bate abrir-se-á”. Um outro aspecto da oração da fé aparece aqui: uma confiança absoluta não só no facto de que Deus nos ouvirá, mas também no facto de que Deus nos dará o melhor para nós. E, por isso, uma outra certeza: Quem dá – Deus – é muito mais precioso do que aquilo que dá. É Ele, portanto, o primeiro e grande tesouro que nós recebemos na oração.
Estamos, neste aspecto, a tocar o essencial da oração cristã. Rezar é estar e permanecer na presença de Deus em comunhão com Ele. Rezar é permitir que Deus venha habitar em nós e é deixarmo-nos transformar por Ele. Esta comunhão na vida de Deus tornou-se possível a partir do nosso Baptismo pelo qual nós participamos do Ser de Deus como nos diz a segunda leitura. Cristo vem ao nosso coração para nos libertar do pecado. E permite-nos, no Espírito Santo, fazermos a sua experiência de Filho e consigo exclamarmos e invocarmos: “Pai Nosso”.
Compreendemos então muito melhor o sentido da oração do “Pai-Nosso” que Jesus ensina aos seus discípulos. Muito mais do que uma técnica de oração, Jesus revela a oração que acompanha a história da salvação como um chamamento recíproco entre Deus e o homem e que encontra em si mesmo (Jesus, o Filho) o seu cumprimento. N’Ele, Jesus, o chamamento de Deus encontra a resposta do homem. E n’Ele, Jesus, o grito do homem encontra o coração cheio de compaixão de Deus.
Como o fizeram os discípulos, contemplemos também nós Jesus em oração. Jesus é Aquele em Quem se cumpre este maravilhoso encontro entre Deus e o homem. Nós somos os discípulos de hoje. Deixemo-nos tocar pela oração do Mestre. Quando Jesus reza também nos ensina a rezar. Contemplemos a sua humildade e a sua confiança filial em Deus Pai.
A partir daí nós podemos interrogar-nos sobre qual é o ponto de partida da nossa oração. Quando rezamos fazemo-lo a partir da nossa vontade ou a partir de um coração humilde que tudo espera do seu Deus na confiança de que tudo o que Ele dará será o melhor?
A oração é uma exigência fundamental da vida do discípulo porque é ela que configura cada discípulo a Jesus Cristo.
quarta-feira, julho 25, 2007
- a confiança contra o medo –
Jesus é que deu “glória” à Cruz
Quem tem uma boa razão pela qual valha a pena dar a sua vida, é sempre capaz de descobrir também uma boa e forte razão para viver. É aqui que a questão do “perder a vida para a ganhar” é, mais uma vez e absolutamente, verdade. E neste horizonte se conjugam e cruzam o dia a dia das pequenas coisas e as opções fundamentais como seu pano de fundo. De facto, não nos será muito fácil encontrar um sentido para a vida se não nos dermos ao trabalho de nos oferecermos à vida para viver. À priori, portanto, a confiança e a objectividade, o optimismo e o realismo são componentes de uma vida boa e feliz.
Jesus Cristo confronta-nos constantemente acerca do sentido da nossa vida. Dietrich Bonhoeffer, numa feliz expressão sua, define Jesus como o “homem para os outros”: a sua vida é marcada pelo dom de si, pelo serviço ao próximo, uma vida dedicada à construção da comunhão. Mas já o Evangelho de Marcos nos surpreende com uma afirmação radical quando afirma de Jesus que Ele fez bem todas as coisas: fez os surdos ouvir e os mudos falar (Mc 7, 37). E Pedro, resumindo, afirma que Jesus passou fazendo o bem, curando e libertando (Act 10, 38).
A primeira comunidade e, depois, toda a tradição cristã compreendeu bem esta bondade de Jesus. Toda a vida de Jesus está centrada no amor. E as primeiras gerações, precisamente porque viram Jesus viver e morrer, puderam acreditar na força do amor que é mais forte do que a morte. É esta vida que se manifesta como verdadeira revelação de Deus: renunciar à auto-suficiência, lavar os pés aos irmãos assumindo a condição de servidor para com o próximo, reconhecer a alteridade daquele que é o próximo ao ponto de o amar com inteligência, favorecer os sentimentos de acolhimento e de amor para com os estranhos ou mesmo os inimigos, e viver o amor e a caridade sempre sob o signo da gratuidade: eis o que é a vida cristã no sentido de uma vida que tem o seu fundamento em Cristo, uma vida segundo a vontade de Deus. Uma vida que não impede a realização do melhor de si, porque dar-se inteiramente pelo outro não entra em conflito ou contradição com o facto de ser autêntico[1].
Não foi, portanto, a cruz que deu glória a Jesus, mas foi Jesus que deu sentido até a um símbolo infamante e terrível como era a cruz[2]. Sem encontrar nesta prática da vida de Cristo (a “pró-existência” no dizer de Dietrich Bonhoeffer) uma boa razão (sentido) pela qual vale a pena dar a nossa vida, não encontraremos, de todo, uma boa e forte razão para viver. E Deus resumir-se-ia a uma ilusão ou criação da nossa imaginação.
Crise … à porta da Terra da Promessa
Creio que a percepção dos aspectos sociais, religiosos, psicológicos … que têm afectado as vocações ao nível dos sacerdotes e religiosos em geral, nos tem feito esquecer algo de fundamental: a fé em Deus, a confiança na sua Sabedoria e na sua Promessa.
Quando os Israelitas chegaram às portas da Terra de Canaã, Moisés enviou os chefes de tribo para explorarem a terra e perceberem se podiam ou não entrar. Ao regressarem, uns relatavam a opulência do país e denunciavam a impossibilidade de entrar nele, outros sentiam as condições adversas como um verdadeiro desafio. Apenas Caleb e Josué se mostraram optimistas por uma razão de fé: O Senhor está connosco, não os temais. O que distinguiu Caleb e Josué não foi tanto a percepção do país, das suas gentes e das suas condições, mas sim a sua confiança em Deus. A grande dificuldade de Israel, naquele momento, era feita da conjugação do medo que nascia da observação da realidade com a falta de confiança em Deus. Os que confiaram entraram, os outros não.
Naquele momento, às portas de Canaã, Israel teve de mudar de paradigma na sua vida: os seus conhecimentos de Canaã não eram inválidos, mas a confiança em Deus tinha que ser maior.
Esta página da Sagrada Escritura pode surgir-nos como um verdadeiro desafio ao realismo e à confiança em Deus. Perspectivar o futuro da situação vocacional na Igreja não pode corresponder apenas a uma previsão linear que se limita a prolongar no tempo o actual estado das coisas. Há que mudar de paradigma, como o Povo de Israel. Nesse sentido, e no meio da mudança dos paradigmas, são as rupturas que são a base da previsão e da acção. Não quaisquer rupturas apenas para serem rupturas, mas as rupturas com o que, à partida, não faz parte possível de nenhuma identidade que tenha como base a fé e a confiança em Deus. No fundo, hoje somos nós que estamos à porta da Terra prometida.
Para melhor muda-se sempre
Dos paradigmas que se têm alterado, os fundamentais dizem respeito ao pensamento e conhecimento, à ecologia e tecnologia, ao multiculturalismo, à família e comunidade humana, ao poder e formas políticas, à experiência religiosa.
Um pouco à maneira do Povo de Israel às portas de Canaã, mas voltado para as cebolas do Egipto, também hoje corremos o risco de “termos feito um óptimo reconhecimento” da terra, mas ficarmos (por medo e falta de confiança) voltados para os tempos em que, nas instituições e nas pessoas, a Igreja tinha uma óptima e imensa imagem pública com imensas vocações (a terra que conhecemos bem). Desde sempre a Igreja, e nela o conjunto das vocações consagradas, viveu num tempo e numa cultura concretos e objectivos. Muitas vezes a alterou, muitas vezes foi determinada e alterada por essa cultura, mas nunca se reduziu a ela. Independentemente das circunstâncias, Cristo é o mesmo ontem, hoje e sempre. E, precisamente nas circunstâncias e com elas, Cristo continua a fazer-se significativo e fundamento para cada tempo. Significa que o fundamento permanece enquanto as circunstâncias podem mudar. Do conceito de fidelidade faz parte a criatividade.
Hoje, novamente, e agora para nós, é o tempo de decidir entrar em Canaã: é o tempo de olhar para o baptismo como uma vida de fé que se inicia; é o tempo de decidir fazer uma catequese que não se resume apenas ou equipara aos anos escolares, mas serve para toda a vida e tem a ver com a vida; é o tempo de não fazer dos sacramentos (primeira comunhão, crisma, etc) exames de admissão à fase seguinte; é o tempo de animar e dinamizar os sacramentos para que, por exemplo, o crisma não seja a pré-reforma da participação na vida da Igreja; é o tempo de se tornar discípulo de Jesus Cristo e identificado com a sua vida; é o tempo de insistir, a propósito e despropósito, na necessidade da formação da fé e da vida cristã; é o tempo de uma fundamentação bíblica e histórico-salvífica da nossa espiritualidade; é o tempo de rezar; é o tempo de olhar para as vocações de consagração como surgindo do chamamento de Deus e da comunidade que vive a sua fé; é o tempo de reconhecer a identidade dos ministérios ordenados como estruturantes da comunidade cristã, mas de perceber que recebem a sua razão de ser do serviço ao povo cristão e do anúncio de Cristo; é o tempo de viver a entrega sacerdotal como radical e permanente; é o tempo de assumir o ministério ordenado como tendo uma responsabilidade imensa na vida dos crentes; é o tempo de cuidar das liturgias, fazendo delas celebração do mistério pascal e de fé e desengordurando-as de tudo o que é supérfluo; é o tempo de assumir a diferença, por identidade cristã, em relação ao que contradiga o Evangelho; é o tempo de refontalizar e “explicar” muita da nossa religiosidade popular; é o tempo de falar da fé e a testemunhar como algo que dá sentido e alegria à vida e não como algo que, localmente, serve para aborrecer; é o tempo de aprender a viver em comunhão; é o tempo da unificação dos esforços; é o tempo de fazer em comunidade uma experiência séria de oração; é o tempo de nos olharmos, não pelo exterior, mas a partir da riqueza interior; é o tempo de deixar de opor a fé e a razão porque ambas são asas do conhecimento; é o tempo de a Igreja se situar diante do mundo como alguém que tem algo de muito bom a dar-lhe; é o tempo de olhar com alegria para aqueles que no sacerdócio, na vida religiosa monástica, activa ou missionária se entregam a Deus e aos outros; etc, etc, etc.
Há tantas coisas possíveis como mudança de paradigma para podermos entrar em Canaã. E mudar de paradigma não é apenas alterar tendências. É uma nova visão e perspectivação das coisas que tem de nascer. Por fidelidade a Cristo e à Igreja. O Concílio Vaticano II possibilitou na Igreja uma imensa e vastíssima reflexão sobre a sua identidade, a sua missão e o seu lugar no mundo. Somos livres de lhe resistir, somos livres para mudar. Mas não é possível perspectivar hoje a Igreja sem ser a partir do mistério de comunhão. Na origem do ser Igreja está uma experiência de fé. Tem de ser formada e, constantemente, alimentada. Sem isso ninguém nos entenderá, ninguém entenderá o que queremos quando rezamos pelas vocações.
p. Emanuel Matos Silva
terça-feira, julho 24, 2007
S. GREGÓRIO MAGNO, Homilias sobre os Evangelhos, 25 in PL LXX-VI, 1189.
Escolheste fazeres-Te esperar.
A mim não me agrada esperar.
Não gosto de esperar na fila.
Não gosto de esperar a minha vez.
Não gosto de esperar pelo comboio.
Não gosto de esperar para julgar.
Não gosto de esperar o momento oportuno.
Não gosto de esperar porque não tenho tempo
E vivo só no instante.
Por outro lado, bem o sabes,
Tudo está disposto para que não tenha de esperar:
Os bilhetes para os meios de transporte,
Os auto-serviços,
As vendas a crédito,
Os distribuidores automáticos,
As fotografias de revelação instantânea,
Os faxes e os terminais de computador,
As televisões e as rádios em informação.
Não preciso de esperar as notícias:
Elas surpreendem-me porque se me antecipam.
Mas Tu ó Deus
Decidiste fazer-te esperar
Todo o tempo que dura um advento.
Porque fizeste da espera
O espaço de conversão,
O frente a frente com o que está oculto.
Na espera já Te estás a dar,
E, para Ti ó Deus,
Esperar
Conjuga-se com rezar.
J. DEBRUYNNE, Écoute, Seigneur, ma prière (Paris : s/ed, 1988) 399.
as vozes que proclamam a vossa vinda ?
Fechadas nas multidões anónimas
dos pobres
que esperam um futuro melhor ?
Quem, nos desertos deste mundo,
faz entender o grito dos homens,
a sua esperança ?
Fazei-nos entendê-los,
fazei-nos reconhecê-los,
fazei-nos abrir o nosso coração
às suas esperanças e procuras.
Ajudai-nos a darmo-nos conta
da esperança que nasceu em nós
por causa da vinda do Vosso Filho
muito amado,
Jesus Cristo, nosso Senhor.
Nas angústias,
Na dúvida,
Pensa em Maria, invoca o seu nome.
Que ela não se afaste da tua boca,
Que não se afaste do teu coração, e,
Para obteres o socorro da tua oração
Não desprezes o exemplo da sua vida.
Se a seguires, não te desvias.
Se lhe rezares, não desesperas.
Se a consultares, não te enganas.
Se nela te apoiares, não cais.
Se ela te proteger, nada temes.
Se ela te conduzir, não te cansas,
Se te for favorável, chegarás ao fim.
E assim, em ti mesmo experimentarás
Exactamente o que foi dito:
E o nome da Virgem era Maria!
S.Bernardo