sexta-feira, fevereiro 16, 2007


Abraçar sem asfixiar, ser livre sem ficar solitário
- Quaresma 2007 -


A Vida Nova
Jesus ressuscitou! Ele é o Cristo e Senhor! Tempo de procura da verdade, tempo de lermos a realidade e de nos lemos a nós próprios, tempo de silêncio fecundo e contemplativo, tempo de caridade vigilante, tempo de amar o jejum, tempo de nos abstermos do supérfluo e de discernirmos o essencial, tempo de partilha e fraternidade, tempo de verdadeira “luta espiritual”, a Quaresma não tem outro sentido e significado mais profundos que o de ser uma preparação para a celebração da Páscoa e para o dom da Vida Nova.
Na nossa vida cristã, nós não somos empurrados para a frente a partir do nosso passado de fragilidade. Somos sim puxados pelo nosso futuro de vida na graça de Deus. Essa é a experiência da Páscoa que nos é acessível em Jesus Cristo e na sua ressurreição. É a plenitude em Jesus Cristo que nos cativa e nos faz caminhar. Por isso, a caminho da Páscoa … Quaresma como quem se liberta de tudo aquilo que não faz parte nem pode entrar na experiência da comunhão com Deus e no encontro com Ele.
No quadro das relações humanas existem coisitas que não podem estar presentes numa relação de verdadeira amizade porque se lhe opõem e a impedem. Na relação com Deus em Jesus Cristo é a mesma coisa. Nós não conseguimos estar com Ele se estamos com aquilo que Lhe é contrário.
«O que quer dizer “cativar”?» é a grande interrogação do principezinho no seu diálogo com a raposa. Vale a pena ler novamente a história. É que a raposa vai explicando que «Cativar é criar laços … se me cativares precisaremos um do outro».
De facto, enquanto o principezinho metabolizava a sua dor (quase com pena de si mesmo) apareceu a raposa. Momentos antes o encontro com a flor não tinha corrido bem. A flor brincara vaidosamente fazendo tudo para se manter no centro da cena: uma espécie de jogo de sedução destinado a paralisar o admirador. E o pequeno príncipe, preso no jogo da flor, não se dava conta de si mesmo nem percebeu o que dissimulava tamanha simpatia. Amavam-se, até se pode concluir, mas nunca foram capazes de o dizer. E porque não encontraram as linguagens próprias para o dizer, o amor falhou. A flor usa a linguagem da astúcia enquanto o principezinho usa uma linguagem simples e directa. Não sendo realizáveis os desejos da flor, o principezinho está destinado a partir, a crescer. E é nessa procura de si mesmo por parte do principezinho que a raposa é um instrumento que possibilita uma experiência fundamental: criar laços, fazer de cada um para o outro alguém que é “único no mundo”. O aborrecimento desaparece da vida da raposa e o principezinho já não se sente estranho. Tornaram-se “únicos no mundo” um para o outro. Por isso a raposa conclui: “Tornaste-te responsável pelo que cativaste! És responsável pela tua rosa” (A. Saint-Exupéry, O Principezinho, 74). Diz-nos a mesma história que, pouco a pouco, cada um se começou a sentir mais livre, mais responsável pelo outro e, ao mesmo tempo, a ver a vida própria com outros olhos.

Por amor de Deus e da vida
Os Cristãos reflectem e vivem o seu tempo em torno da Páscoa e, semanalmente, do Domingo, o primeiro dia da semana. Em Jesus Cristo, Verbo de Deus encarnado, o tempo torna-se uma dimensão de encontro com Deus. E dessa relação de Deus com o tempo nasce a consciência da necessidade de “santificar o tempo”.
Que significará “santificar o tempo”? Mesmo antes de desafiar e chamar Israel a ser santo (Lev 19, 2), o Senhor Deus criou um dia diferente de todos os outros. Deus, de facto, e como diz o Livro de Génesis, Deus “abençoou o sétimo dia e santificou-o” (Gen 2, 3). Significa isto que a santificação do tempo é possível graças ao próprio Criador.
“Santificar” o dia de sábado é assumir este dia como “um dia diferente”, um “outro dia”, ou um “dia de outra forma”: o desafio de ser santo porque o Senhor é santo. É como se Deus estivesse a dizer aos Israelitas “sede outros”, “sede diferentes”, “vivei de um modo diferente daquele que toda a gente vive”. É a mesma coisa que dizer-nos: sede capazes de fugir à sedução das idolatrias quotidianas que impedem de ver a verdade; sede capazes de ser diferentes, sede capazes de acreditar”.
Consequentemente, “santificar o tempo” significa vivê-lo de forma diferente do usual ou rotineiro. É vivê-lo segundo a intenção de Deus. E isso significará, ao limite, que haverá um dia no fim do tempo, mas que o fim do tempo é a comunhão com Deus.
O tempo tem, portanto, um sentido preciso já que o “sétimo dia” (para os judeus) ou o “primeiro dia” (para os cristãos) é o destino do homem e de toda a criação: sétimo dia é chegar a Deus e primeiro dia é partir de Deus, antecipação escatológica para toda a humanidade, transfiguração de toda a criação. Na intenção de Deus, o tempo dos crentes é um tempo diferente e ritmado: marcado por um dia santo todas as semanas; por um ano santo cada sete anos; por um ano santo cada 50 anos (sete semanas de anos). Desta forma, o próprio Deus quis impedir que relegássemos a santidade da humanidade para um campo abstracto e inacessível. É este o sentido e significado profundo das festas cristãs e do desenrolar do ano litúrgico. É este, ao limite, o horizonte em que se desenrola a Quaresma na qual os cristãos são chamados a converterem-se ao Senhor e a regressarem a Ele com gestos simples e verdadeiros como o jejum, a partilha e a oração, símbolos de uma vida nova.
O calendário anual, ou o ano solar, não é senão uma forma prática de medir o desenrolar dos tempos. E isso é bom porque nos permite organizarmo-nos e prepararmo-nos para determinados acontecimentos. Se não fossemos tão versáteis e, por isso, distraídos e rotineiros não era necessária a diversificação de tempos litúrgicos.

Jejum, esmola e oração em vez de quinquelharias
Existem três grandes desafios que asseguram a unidade do tempo da Quaresma e definem o horizonte da caminhada eclesial e pessoal:
1. O Mistério da morte e ressurreição de Jesus;
2. As implicações deste Mistério para quem se prepara para o baptismo;
3. A renovação na caminhada da fé e da conversão para os que já são baptizados.
Toda a Quaresma tem, portanto, uma dinâmica baptismal. E é por se ter desenvolvido em torno dessa dimensão baptismal que o tempo da Quaresma também é tempo penitencial. Este é o tempo próprio para, conhecendo melhor o Espírito de Jesus, “baptizarmos” a nossa inteligência. Este é o tempo para, aprendendo a querer o que Deus quer, “baptizarmos” a nossa vontade. Este é o tempo para, afeiçoando-nos mais a Cristo e ao seu caminho, “baptizarmos” o nosso afecto e o nosso amor.
A Quaresma não é, portanto, um tempo de invenção de penitências ou meramente de sacrifícios sem ousar tocar o alicerce profundo dos problemas. Quando a espiritualidade se incompatibiliza com a realidade da vida e se resume a abstracções, Deus fica sempre inatingível, a experiência da fé é sempre de desgaste e a vida nunca se transforma. É comparável a alguém, como dizia A. Alçada Baptista, que está ou “entrou na religião pela porta da quinquelharia ... pagelas, santinhos de lata”, etc, mas não ousa tocar o problema fundamental do seu coração e das suas opções.
É claro que o jejum, a partilha e a oração não se resumem a mínimos legais. No seu verdadeiro sentido nem sequer serão “obrigações”. Se o jejum nos encerrar em nós mesmos, se a partilha servir apenas como descarga de consciência (“os meus pobres” – algo dito sempre com arrepiante sentido de propriedade) e se a oração se traduzir apenas em “troca formal de favores por senhas” e pedido “institucional” de provas da existência de Deus, a Quaresma não terá nenhuma finalidade senão a de uma auto-contemplação. E quem passa a vida a auto-contemplar-se não conseguirá nunca contemplar os outros: não é capaz de gestos de confiança, não é capaz de gestos de fraternidade, não é capaz de gestos de ternura, não é capaz de gestos proféticos de compromisso e ousadia cristã.
O que a Quaresma pretende, então, é uma redescoberta da fé, é o reatar da relação com Jesus Cristo. A Quaresma é, por isso, um momento privilegiado da procura de sentido para as coisas de todos os dias. E dizer procura de sentido não se resume a uma questão do discernimento de uma vocação específica na comunidade cristã (por exemplo, saber se se segue ou não a vida sacerdotal). Procura de sentido diz-se em relação à vida no que respeita à relação com os outros, diz-se acerca do sentido da amizade, acerca do sentido da responsabilidade. Não existe vocação, vida ou vivência que não possam começar a ser transformados em tempo de Quaresma. A redescoberta quaresmal é, portanto, a redescoberta de si mesmo, da vida, da fé e também dos outros.
Ao conjugar o jejum podemos perguntar se, de facto, a abundância de muita coisa não nos tira a sensibilidade e o sabor das coisas na sua essência. Querer o “muito” em vez do “bom” ou do “justo” pode ser um engano. E isso não se resume ao que comemos. Tem a ver com a vida toda, com as opções, com o que se chama de cidadania, com o que nos permitimos e com o que nos proibimos a nós próprios. Sabemos que somos livres, mas também nos experimentamos muitas vezes como “autênticos prisioneiros” de sistemas de reacção, de pruridos relacionais, de palavras ditas, de atitudes irreflectidas que, continuadas, acabam por se afirmar, muitas vezes, como personalidade.
Acontece, no entanto, como dizia E. Mounier, que Deus é grande de mais para fazer das nossas fragilidades uma vocação. Por isso propõe a mudança e, por isso também, o tempo favorável da Quaresma, em Igreja, é o tempo indicado de ousar vi(r)agem. Virar, mudar, converter ... a fé só tem sentido em relação estreita com a vida.
A Quaresma exige-nos, portanto, interiorização, imaginação e fidelidade criativas: repensar a fé e a expressão religiosa em relação com a vida quotidiana. Jejum, partilha e oração não são mínimos legais. São caminhos de crescimento, de experiência da vida nova que vem por Cristo. Jesus é o verdadeiro Pão da vida. Jejuar é sentir a fome como esse estado em que nos apercebemos que dependemos de tantas e tantas coisas. E algumas não são necessárias. A fome do jejum (ou da abstinência) pode ser vivida como esse limite para lá do qual me sinto novamente vivo. Por isso o jejum quaresmal não se resume a uma mudança de regime alimentar, uma espécie de dieta. Ele não é luta contra o corpo, mas sim pelo corpo e para o corpo porque pela vida e para a qualidade da vida quotidiana.
E a partilha ?! A partilha também não pode ser apenas uma espécie de gesto afectivo mais ou menos sacralizado. O esforço de partilhar pode viver-se nos sorrisos, na capacidade de escuta, no uso bom das palavras, nas visitas e na atenção que damos, na ajuda a alguém, etc, tanta coisa! E, na base, sempre a oração como diálogo de amizade com Deus. Oração como quem se experimenta a confiar e percebe que se está a dar não a partir de si mesmo, mas sim a partir de Deus.


Propósitos quaresmais: poucos e bons, práticos e possíveis
Todos os anos ao chegar a Quaresma nos esforçamos por encontrar alguns desafios que concretizamos em propósitos. Creio que, quando se trata de estabelecer propósitos, já todos percebemos que é melhor que sejam poucos mas bons, que sejam práticos e possíveis. De outra forma estaremos a dispersar-nos mais do que a construir. Poucos mas bons para poderem ser essenciais e estabelecidos naquilo que diz respeito aos fundamentos das coisas e não apenas às suas aparências. Não vale a pena, por exemplo, tentar resolver objectivamente uma relação que anda mal com alguém se não questiona a perspectiva com que se está na vida e na relação com os outros.
Às vezes aumentamos a extensão dos propósitos mas diminuímos a sua profundidade. Outras vezes multiplicamos tanto os propósitos que se torna impossível concretizá-los todos e em tão pouco tempo. Outras vezes ainda queremos que os outros vivam os propósitos que nos faz falta a nós fazermos e dispensamo-nos ou diminuímos a nossa responsabilidade e compromisso. Com se estivéssemos sempre à espera que todos os outros fossem perfeitamente virtuosos para nós podermos então ser também perfeitos. Na realidade quando a vida se conjuga a partir dos perigosos “se…” é apenas sinal de que ela não existe ou de que não se está verdadeiramente interessado em resolver as situações. Outras vezes ainda ficamos satisfeitos na elaboração teórica e vistosa de um conjunto de propósitos mas não nos comprometemos na sua consequente realização.
P. Emanuel Matos Silva



Quaresma … simplesmente


Recordar coisas que até já sabemos
Estamos novamente às portas da Quaresma, um tempo forte, o chamado tempo favorável, na experiência cristã pessoal e na vida da Igreja. Tempo de escuta, leitura e discernimento; tempo de atenção, vigilância e percepção; tempo de amar o essencial das coisas no jejum; tempo para nos abstermos do supérfluo e acessório e discernir o essencial; tempo de exercício das virtudes cristãs e do carácter; tempo de partilha rezada e de oração que conduz à caridade.
Quando a Quaresma é conhecida apenas como um tempo para determinados sacrifícios ou actos de ascese, renúncias ou práticas penitenciais, podemos dizer que não se sabe nada da Quaresma porque a Quaresma quer conduzir-nos sim à descoberta da beleza da fé cristã e, fundamentalmente, de uma fé que se vive. É nessa medida que a Quaresma é um tempo forte, um tempo qualitativamente diferente do tempo comum quotidiano para os cristãos viverem simultaneamente como uma tensão no acesso à felicidade, um esforço positivo de desenvolver qualidades e capacidades, um desejo de conversão transformadora e de regresso a Deus.
Se o acontecimento fundamental do Cristianismo é Jesus Cristo, e Jesus Cristo entregando-Se na Cruz por amor (Mistério Pascal), então a Páscoa é um acontecimento que tem de ser preparado porque recria a nossa esperança e a nossa confiança em Deus e, por essa via, em nós mesmos.
A Cruz de Jesus é, sem dúvida, construída pelas nossas vidas (da qual faz parte a nossa fragilidade e o mistério da iniquidade), mas é habitada por Aquele que destruiu a morte na sua própria raiz. E isso significa que Jesus é Aquele que, habitando as nossas vidas onde elas mais precisam de ser iluminadas, nos faz experimentar a felicidade e a alegria: uma vida habitada, dinamizada, entregue Àquele que não nos deixa morrer é um desafio forte num tempo forte – a Quaresma. A sintonia com o projecto de Jesus apaixona e faz olhar para a vida como algo aberto e a construir-se. O encanto da vida cristã está em perceber que a existência tem um “para quê” a que responder sempre. Fazem parte da experiência desse encanto a gratidão apaixonada pelo dom da vida e a percepção da condição própria com seus limites. Aliás são elas que geram confiança e dão ousadia. Quem não é capaz de gratidão não é capaz de fé. Quem não sentiu já essa paixão do encontro com o Senhor Jesus que se desdobra em fraternidade?! Quem não experimentou já esse encanto que são os joelhos no chão diante do Sacrário como momento onde se alicerça toda uma vida que não acontece apenas “porque tem de ser”, mas sim por resposta e como vocação?! Então a Quaresma é o tempo para deixarmos e exercitarmos que sejam esses encontros a guiar com maior qualidade a nossa vida.
Antes de ser sacrifico e renúncia, a Quaresma é um desafio de apaixonamento e entrega a Jesus Cristo na Igreja e no mundo (ler os nº 109 e 110 da Sacrossanctum Concilium, Vaticano II).


Origens da Quaresma
Desde o séc. II que existe na Igreja um tempo de preparação para a Páscoa em que se pratica o jejum durante alguns dias. A Quaresma, ou melhor, nesse tempo, o tempo de preparação da Páscoa começou por ter apenas uma semana passando, depois, a três semanas em que se lia e meditava o Evangelho de João e, só depois, a 40 dias que se inspiram nos 40 dias que Jesus passou no deserto e que estão profundamente à definição do ministério de Jesus nas suas formas e valores objectivos e práticos de serviço, verdade e amor. A preparação de 40 dias (com jejum) iniciava-se, originalmente, a partir da sexta semana antes da Páscoa, mas como havia pelo meio seis domingos – e o Domingo nunca é dia de jejum – e se queria completar a simbologia dos 40 dias de Jesus no deserto, prolongou-se este tempo antecipando o seu início para a Quarta feira antes da sexta semana antes da Páscoa. Chamar-se-lhe-á, mais tarde “Quarta Feira de Cinzas”. No séc. IV encontramos já imensos testemunhos de uma organização deste tempo de preparação para a Páscoa. Vejam-se, por exemplo, as descrições dos ritos e costumes feitos pela peregrina Egéria em Itinerário de Egéria.
Do séc. IV ao VII-VIII temos o que se pode chamar o período áureo da Quaresma cristã, ao qual se começa a dar, por causa do carácter pascal, um forte carácter baptismal que se expressa nos ritos do catecumenado. Para entender bem a Quaresma há que dizer que no estabelecimento da sua cronologia da Quaresma teve uma grande importância a recordação dos quarenta (40) dias que Jesus passou no deserto em jejum, segundo o testemunho dos Evangelhos Sinópticos e o seu simbolismo. É um número que encontra muitas e significativas ressonâncias na simbologia de toda a história de Israel como Povo a caminho: 40 dias do dilúvio; 40 dias e noites de Moisés no Sinai; 40 dias que Elias caminha para o Horeb; 40 anos do Povo no Deserto; 40 dias em que Jonas pregou a penitência em Nínive.
É assim que ela se assume como um tempo especial em que a Comunidade Cristã, toda a Igreja, está chamada a este exercício de preparação para a Páscoa que tem, antes de mais, um carácter de verdadeira renovação espiritual (renascer...). Tradicionalmente insiste-se na trilogia oração, esmola e jejum mas sempre com o cuidado de não resumir este tempo a um tempo em que “se dizem mais umas orações”, um tempo em que se dão “mais umas esmolas”, ou um tempo em que, esforçada mas rancorosamente “se come menos um pouco”.

Vivências de Quaresma hoje
O sentido da Quaresma hoje está expresso e patente nos nº 109 e 110 da já citada Sacrossantum Concilium, a Constituição do Concílio Vaticano II sobre a Liturgia. Aí se recorda o seu sentido baptismal e penitencial, mas insiste-se também na escuta mais assídua da Palavra de Deus, e na maior dedicação à Oração:
- recuperação dos elementos baptismais (renuncio... credo...) (Cf. Ritual Baptismo)
- sentido pessoal e social do pecado (109 e 110 da SC insiste no jejum penitencial externo e interior)
Nesses mesmo números do mesmo Documento se reflecte também a teologia e espiritualidade da Quaresma
a) O mistério de Cristo na Quaresma: Jesus Cristo que se encaminha para Jerusalém (realização do Mistério pascal). Quaresma é celebração existencial deste doloroso mas luminoso caminho:
- O Protagonista é Cristo: vide textos do Ciclo A dominical: Jesus retira-se para o deserto para orar e jejuar, transfigura-se na montanha, encontra a Samaritana, cura o cego de nascença, chora a morte de Lázaro e ressuscita-o.
- O Modelo: Cristo que se retira ao deserto e com Jejum e oração vence o diabo com a Palavra de Deus
- O Mestre é Cristo (mestre das atitudes que nos chama a viver particularmente a partir da liturgia da Palavra dos dias feriais...)

b) O Mistério da Igreja na Quaresma (tempo baptismal e de conversão):
- Um caminho de fé mais consciente (a dimensão baptismal deste tempo convida-nos a reviver com intensidade a dimensão baptismal – sim creio em Deus… Jesus … Espírito … Igreja … ).
- Escuta mais atenta da Palavra: o caminho de fé que somos chamados a fazer não pode ser feito sem a referência à Palavra de Deus (é Palavra de Deus, não é uma palavra qualquer).
- Oração mais intensa: a partir do encontro personalizado com Jesus na Palavra, personalizar também mais a oração (fazê-la mais pessoal e personalizante, estruturante da personalidade)...

c) Imagens e “símbolos” fortes da Quaresma:
- Cristo
- Samaritana que encontra a felicidade
- Cego que vê a luz
- Lázaro que, pelo poder de Cristo, experimenta a vida...


d) Espiritualidade:
- dimensão trinitária: estamos no caminho de Jesus de regresso ao Pai, na força do Espírito
- em Igreja: somos irmãos, todos salvos...
- na antropologia do homem novo em Cristo: Samaritana, cego, Lázaro.

Quaresma é o grande retiro da Igreja que se prepara para a vivência do mistério da vida em plenitude. Somos baptizados, transformados pelo Espírito e pelo Amor de Deus. E isso é, em nós, fonte de renovação interior permanente. É preciso aproveitar este tempo, de facto, como tempo favorável! Hoje não preparamos o nosso baptismo, mas tomamos mais consciência das suas potencialidades quanto à realização plena da nossa identidade cristã.

P. Emanuel Matos Silva