sábado, julho 28, 2007



ESPIRITUALIDADE E VIVÊNCIA DO DOMINGO



O domingo é o dia da celebração da ressurreição de Cristo. Os relatos evangélicos são unânimes na afirmação de que o acontecimento da ressurreição se deu ao amanhecer do primeiro dia da semana (Mt 28, 1; Mc 16, 2; Lc 24, 1; Jo 20, 1). É o dia em que Jesus ressuscita e aparece aos Apóstolos reunidos (Jo 20, 19). É o dia em que Jesus caminha e se revela aos discípulos que caminham para Emaús e que O reconhecem ao partir do pão (Lc 24, 13-35). É, fundamentalmente, o dia em que Jesus Se mostra vivo e vencedor da morte, de todas as mortes.
O Domingo tem, então, uma identidade própria: é a celebração da Páscoa, o dia do Senhor. Essa é a razão pela qual o Domingo tem tanta importância na vida da Igreja. Todo o mistério da Páscoa do Senhor Jesus está concentrado, não apenas naquele dia longínquo e histórico em que Cristo “passou deste mundo para o Pai” (Jo 13, 1), mas no dia que se transformou o sinal, a memória, desse acontecimento salvífico.
Em sua memória, Jesus mandou fazer os gestos fundamentais da sua entrega. O Domingo evoca, por isso, e permite viver a presença do Ressuscitado no meio dos seus: celebra-se o “senhorio” de Cristo, o seu triunfo sobre a morte, a sua presença viva e ressuscitada. É a proclamação deste facto que acontece em cada assembleia cristã que se reúne em dia de Domingo para partir o pão: na Eucaristia, como com os discípulos de Emaús, a comunidade reconhece Jesus e experimenta a sua vida e a sua presença. E, nesse sentido, o Domingo é o dia específico da reunião da comunidade cristã (os discípulos de Jesus Cristo), o dia da comunhão, o dia da celebração da Ceia do Senhor e da presença do Ressuscitado, o dia da experiência pascal como envio em missão. É o dia da diferença.

Partindo da ressurreição como fundamento, a reunião da assembleia cristã, a escuta da Palavra e a Eucaristia são, portanto, os elementos característicos do Domingo e os fundamentos da sua vivência espiritual. De facto, no Domingo, os cristãos reúnem-se para que, escutando a Palavra de Deus e participando na Eucaristia, recordem a paixão, a ressurreição e a glória do Senhor dando graças a Deus.
O Domingo é, portanto, o dia da assembleia cristã, símbolo da Igreja que se faz visível na comunhão de todos os cristãos presidida pelos seus pastores sobretudo na celebração da Eucaristia. A assembleia cristã reunida, expressão da Igreja, Corpo de Cristo, é tão essencial ao Domingo como é a referência do Domingo à ressurreição de Cristo.
Sendo dia da assembleia cristã, o Domingo é também o dia da Palavra de Deus. É na escuta e no acolhimento da Palavra que a Igreja se define como um Povo convocado pelo próprio Deus e chamado a caminhar na sua presença. É escutando a Palavra, à imagem de Maria, a Mãe de Jesus, que se faz possível a sua encarnação na vida. O que Jesus ressuscitado fez no caminho com os discípulos de Emaús, faz hoje com cada assembleia: Ele próprio explica a sua Palavra.
O Domingo é, finalmente, o dia da Eucaristia, o dia do memorial da Páscoa do Senhor. A Igreja reúne-se em assembleia porque não consegue de outra maneira celebrar Aquele que é a sua Cabeça, Jesus Cristo. Mas a finalidade desta assembleia litúrgica reunida é a celebração do Sacrifício eucarístico, o Sacramento da entrega de Jesus “para a vida de muitos” (Mt 26, 28; Mc 14, 24; Jo 6, 51). A Páscoa é, de facto, o conteúdo fundamental do Domingo, e o aspecto central do mistério eucarístico, memorial do sacrifício redentor de Jesus Cristo na Cruz e sua presença sacramental. A Eucaristia é, neste sentido, a Páscoa da Igreja. O Domingo torna-se assim o sinal do senhorio de Cristo sobre o tempo e a história precisamente porque tem o seu centro na Eucaristia.
Concluindo, a vivência e a espiritualidade do Domingo são determinadas pela experiência da sua origem e da sua identidade: é dia de parar, não para ficar parado, mas para escutar e acolher; é dia de reunião da assembleia porque, pelo baptismo, todos somos Corpo de Cristo; é dia de escutar a Palavra de Deus porque não nos convocamos a nós mesmos, mas é o Senhor que na Palavra nos chama e nos ensina; é o dia da Eucaristia porque nela, na fidelidade ao mandato de Jesus, se faz memória da Páscoa. Pela Eucaristia, os cristãos unem-se a Cristo e dizem com Ele “Isto é o meu Corpo entregue por vós” fazendo da Eucaristia a entrega da Igreja pela vida do mundo como é a de Cristo.
Um Domingo com estas características coloca-nos, certamente, algumas questões e desafios: que tipo de dia é o Domingo para nós, hoje ? É o dia da Ressurreição, o dia da assembleia eucarística, ou apenas o dia do ócio e do descanso, o dia da festa, o dia ecológico ? E quais são os problemas reais do nosso Domingo? Uma prática dominical em crise? Uma celebração dominical que deixou de ser festa? Uma ocasião de encontro com assembleias e desmotivadas ? Um dia de descanso na sociedade de consumo ?
Que lugar tem o Domingo, como dia do Senhor e a Ele dedicado, no ritmo da vida quotidiana de cada um de nós ? Sendo dia do nascimento do homem novo, como vivemos o Domingo ?

P. Emanuel Matos Silva

quinta-feira, julho 26, 2007



Preparando o Domingo
XVII Domingo do TC



“Senhor, ensina-nos a rezar”. Aprendizagem da oração, podia ser este o título dos textos da liturgia deste domingo.
Na 1ª leitura somos convidados a contemplar uma súplica de Abraão junto de Deus pelos habitantes de Sodoma. É uma oração animada pela compaixão à imagem da compaixão de Deus pelos homens. É essa a razão da confiança e da audácia para a intercessão de Abraão. E aqui encontramos um dos dramas de toda a oração: a prova da fé na fidelidade de Deus à sua Aliança de amor com os homens.
O Salmo, por sua vez, aparece como modelo de toda a oração de acção de graças: “De todo o coração, Senhor, eu vos dou graças”, “Pela vossa verdade e amor dou graças ao vosso Nome”. A relação com a primeira leitura estabelece-se pelo facto da acção de graças ser sempre uma expressão da oração de fé.
No Evangelho, o próprio Jesus nos assegura que as nossas orações serão sempre ouvidas: “Pedi e dar-se-vos-á; procurai e encontrareis; batei e abrir-se-vos-á”. Jesus não especifica o que é que se nos abrirá ou o que é que encontraremos. Diz-nos somente que “Quem pede recebe, quem procura encontra, e a quem bate abrir-se-á”. Um outro aspecto da oração da fé aparece aqui: uma confiança absoluta não só no facto de que Deus nos ouvirá, mas também no facto de que Deus nos dará o melhor para nós. E, por isso, uma outra certeza: Quem dá – Deus – é muito mais precioso do que aquilo que dá. É Ele, portanto, o primeiro e grande tesouro que nós recebemos na oração.
Estamos, neste aspecto, a tocar o essencial da oração cristã. Rezar é estar e permanecer na presença de Deus em comunhão com Ele. Rezar é permitir que Deus venha habitar em nós e é deixarmo-nos transformar por Ele. Esta comunhão na vida de Deus tornou-se possível a partir do nosso Baptismo pelo qual nós participamos do Ser de Deus como nos diz a segunda leitura. Cristo vem ao nosso coração para nos libertar do pecado. E permite-nos, no Espírito Santo, fazermos a sua experiência de Filho e consigo exclamarmos e invocarmos: “Pai Nosso”.
Compreendemos então muito melhor o sentido da oração do “Pai-Nosso” que Jesus ensina aos seus discípulos. Muito mais do que uma técnica de oração, Jesus revela a oração que acompanha a história da salvação como um chamamento recíproco entre Deus e o homem e que encontra em si mesmo (Jesus, o Filho) o seu cumprimento. N’Ele, Jesus, o chamamento de Deus encontra a resposta do homem. E n’Ele, Jesus, o grito do homem encontra o coração cheio de compaixão de Deus.

Como o fizeram os discípulos, contemplemos também nós Jesus em oração. Jesus é Aquele em Quem se cumpre este maravilhoso encontro entre Deus e o homem. Nós somos os discípulos de hoje. Deixemo-nos tocar pela oração do Mestre. Quando Jesus reza também nos ensina a rezar. Contemplemos a sua humildade e a sua confiança filial em Deus Pai.
A partir daí nós podemos interrogar-nos sobre qual é o ponto de partida da nossa oração. Quando rezamos fazemo-lo a partir da nossa vontade ou a partir de um coração humilde que tudo espera do seu Deus na confiança de que tudo o que Ele dará será o melhor?
A oração é uma exigência fundamental da vida do discípulo porque é ela que configura cada discípulo a Jesus Cristo.
Irmão Elias, Família de S. José

quarta-feira, julho 25, 2007






Vocações na Igreja
- a confiança contra o medo –




Jesus é que deu “glória” à Cruz
Quem tem uma boa razão pela qual valha a pena dar a sua vida, é sempre capaz de descobrir também uma boa e forte razão para viver. É aqui que a questão do “perder a vida para a ganhar” é, mais uma vez e absolutamente, verdade. E neste horizonte se conjugam e cruzam o dia a dia das pequenas coisas e as opções fundamentais como seu pano de fundo. De facto, não nos será muito fácil encontrar um sentido para a vida se não nos dermos ao trabalho de nos oferecermos à vida para viver. À priori, portanto, a confiança e a objectividade, o optimismo e o realismo são componentes de uma vida boa e feliz.
Jesus Cristo confronta-nos constantemente acerca do sentido da nossa vida. Dietrich Bonhoeffer, numa feliz expressão sua, define Jesus como o “homem para os outros”: a sua vida é marcada pelo dom de si, pelo serviço ao próximo, uma vida dedicada à construção da comunhão. Mas já o Evangelho de Marcos nos surpreende com uma afirmação radical quando afirma de Jesus que Ele fez bem todas as coisas: fez os surdos ouvir e os mudos falar (Mc 7, 37). E Pedro, resumindo, afirma que Jesus passou fazendo o bem, curando e libertando (Act 10, 38).
A primeira comunidade e, depois, toda a tradição cristã compreendeu bem esta bondade de Jesus. Toda a vida de Jesus está centrada no amor. E as primeiras gerações, precisamente porque viram Jesus viver e morrer, puderam acreditar na força do amor que é mais forte do que a morte. É esta vida que se manifesta como verdadeira revelação de Deus: renunciar à auto-suficiência, lavar os pés aos irmãos assumindo a condição de servidor para com o próximo, reconhecer a alteridade daquele que é o próximo ao ponto de o amar com inteligência, favorecer os sentimentos de acolhimento e de amor para com os estranhos ou mesmo os inimigos, e viver o amor e a caridade sempre sob o signo da gratuidade: eis o que é a vida cristã no sentido de uma vida que tem o seu fundamento em Cristo, uma vida segundo a vontade de Deus. Uma vida que não impede a realização do melhor de si, porque dar-se inteiramente pelo outro não entra em conflito ou contradição com o facto de ser autêntico[1].
Não foi, portanto, a cruz que deu glória a Jesus, mas foi Jesus que deu sentido até a um símbolo infamante e terrível como era a cruz[2]. Sem encontrar nesta prática da vida de Cristo (a “pró-existência” no dizer de Dietrich Bonhoeffer) uma boa razão (sentido) pela qual vale a pena dar a nossa vida, não encontraremos, de todo, uma boa e forte razão para viver. E Deus resumir-se-ia a uma ilusão ou criação da nossa imaginação.


Crise … à porta da Terra da Promessa
Creio que a percepção dos aspectos sociais, religiosos, psicológicos … que têm afectado as vocações ao nível dos sacerdotes e religiosos em geral, nos tem feito esquecer algo de fundamental: a fé em Deus, a confiança na sua Sabedoria e na sua Promessa.
Quando os Israelitas chegaram às portas da Terra de Canaã, Moisés enviou os chefes de tribo para explorarem a terra e perceberem se podiam ou não entrar. Ao regressarem, uns relatavam a opulência do país e denunciavam a impossibilidade de entrar nele, outros sentiam as condições adversas como um verdadeiro desafio. Apenas Caleb e Josué se mostraram optimistas por uma razão de fé: O Senhor está connosco, não os temais. O que distinguiu Caleb e Josué não foi tanto a percepção do país, das suas gentes e das suas condições, mas sim a sua confiança em Deus. A grande dificuldade de Israel, naquele momento, era feita da conjugação do medo que nascia da observação da realidade com a falta de confiança em Deus. Os que confiaram entraram, os outros não.
Naquele momento, às portas de Canaã, Israel teve de mudar de paradigma na sua vida: os seus conhecimentos de Canaã não eram inválidos, mas a confiança em Deus tinha que ser maior.
Esta página da Sagrada Escritura pode surgir-nos como um verdadeiro desafio ao realismo e à confiança em Deus. Perspectivar o futuro da situação vocacional na Igreja não pode corresponder apenas a uma previsão linear que se limita a prolongar no tempo o actual estado das coisas. Há que mudar de paradigma, como o Povo de Israel. Nesse sentido, e no meio da mudança dos paradigmas, são as rupturas que são a base da previsão e da acção. Não quaisquer rupturas apenas para serem rupturas, mas as rupturas com o que, à partida, não faz parte possível de nenhuma identidade que tenha como base a fé e a confiança em Deus. No fundo, hoje somos nós que estamos à porta da Terra prometida.


Para melhor muda-se sempre
Dos paradigmas que se têm alterado, os fundamentais dizem respeito ao pensamento e conhecimento, à ecologia e tecnologia, ao multiculturalismo, à família e comunidade humana, ao poder e formas políticas, à experiência religiosa.
Um pouco à maneira do Povo de Israel às portas de Canaã, mas voltado para as cebolas do Egipto, também hoje corremos o risco de “termos feito um óptimo reconhecimento” da terra, mas ficarmos (por medo e falta de confiança) voltados para os tempos em que, nas instituições e nas pessoas, a Igreja tinha uma óptima e imensa imagem pública com imensas vocações (a terra que conhecemos bem). Desde sempre a Igreja, e nela o conjunto das vocações consagradas, viveu num tempo e numa cultura concretos e objectivos. Muitas vezes a alterou, muitas vezes foi determinada e alterada por essa cultura, mas nunca se reduziu a ela. Independentemente das circunstâncias, Cristo é o mesmo ontem, hoje e sempre. E, precisamente nas circunstâncias e com elas, Cristo continua a fazer-se significativo e fundamento para cada tempo. Significa que o fundamento permanece enquanto as circunstâncias podem mudar. Do conceito de fidelidade faz parte a criatividade.
Hoje, novamente, e agora para nós, é o tempo de decidir entrar em Canaã: é o tempo de olhar para o baptismo como uma vida de fé que se inicia; é o tempo de decidir fazer uma catequese que não se resume apenas ou equipara aos anos escolares, mas serve para toda a vida e tem a ver com a vida; é o tempo de não fazer dos sacramentos (primeira comunhão, crisma, etc) exames de admissão à fase seguinte; é o tempo de animar e dinamizar os sacramentos para que, por exemplo, o crisma não seja a pré-reforma da participação na vida da Igreja; é o tempo de se tornar discípulo de Jesus Cristo e identificado com a sua vida; é o tempo de insistir, a propósito e despropósito, na necessidade da formação da fé e da vida cristã; é o tempo de uma fundamentação bíblica e histórico-salvífica da nossa espiritualidade; é o tempo de rezar; é o tempo de olhar para as vocações de consagração como surgindo do chamamento de Deus e da comunidade que vive a sua fé; é o tempo de reconhecer a identidade dos ministérios ordenados como estruturantes da comunidade cristã, mas de perceber que recebem a sua razão de ser do serviço ao povo cristão e do anúncio de Cristo; é o tempo de viver a entrega sacerdotal como radical e permanente; é o tempo de assumir o ministério ordenado como tendo uma responsabilidade imensa na vida dos crentes; é o tempo de cuidar das liturgias, fazendo delas celebração do mistério pascal e de fé e desengordurando-as de tudo o que é supérfluo; é o tempo de assumir a diferença, por identidade cristã, em relação ao que contradiga o Evangelho; é o tempo de refontalizar e “explicar” muita da nossa religiosidade popular; é o tempo de falar da fé e a testemunhar como algo que dá sentido e alegria à vida e não como algo que, localmente, serve para aborrecer; é o tempo de aprender a viver em comunhão; é o tempo da unificação dos esforços; é o tempo de fazer em comunidade uma experiência séria de oração; é o tempo de nos olharmos, não pelo exterior, mas a partir da riqueza interior; é o tempo de deixar de opor a fé e a razão porque ambas são asas do conhecimento; é o tempo de a Igreja se situar diante do mundo como alguém que tem algo de muito bom a dar-lhe; é o tempo de olhar com alegria para aqueles que no sacerdócio, na vida religiosa monástica, activa ou missionária se entregam a Deus e aos outros; etc, etc, etc.
Há tantas coisas possíveis como mudança de paradigma para podermos entrar em Canaã. E mudar de paradigma não é apenas alterar tendências. É uma nova visão e perspectivação das coisas que tem de nascer. Por fidelidade a Cristo e à Igreja. O Concílio Vaticano II possibilitou na Igreja uma imensa e vastíssima reflexão sobre a sua identidade, a sua missão e o seu lugar no mundo. Somos livres de lhe resistir, somos livres para mudar. Mas não é possível perspectivar hoje a Igreja sem ser a partir do mistério de comunhão. Na origem do ser Igreja está uma experiência de fé. Tem de ser formada e, constantemente, alimentada. Sem isso ninguém nos entenderá, ninguém entenderá o que queremos quando rezamos pelas vocações.


p. Emanuel Matos Silva


[1] Enzo BIANCHI, Cristiani nella società (Milano: Rizzoli, 2003) 180.
[2] Cf. Ibid.

terça-feira, julho 24, 2007


“Primeiro procurou-O, sem o encontrar; perseverou na procura e foi assim que O encontrou; demoradamente ia aumentando o seu desejo, e o desejo aumentado valeu-lhe encontrar o que procurava. Os santos desejos, com efeito, aumentam com a demora. Se a demora os arrefece é sinal de que não são ou não eram verdadeiros desejos”.


S. GREGÓRIO MAGNO, Homilias sobre os Evangelhos, 25 in PL LXX-VI, 1189.

Ó Deus,
Escolheste fazeres-Te esperar.
A mim não me agrada esperar.
Não gosto de esperar na fila.
Não gosto de esperar a minha vez.
Não gosto de esperar pelo comboio.
Não gosto de esperar para julgar.
Não gosto de esperar o momento oportuno.
Não gosto de esperar porque não tenho tempo
E vivo só no instante.
Por outro lado, bem o sabes,
Tudo está disposto para que não tenha de esperar:
Os bilhetes para os meios de transporte,
Os auto-serviços,
As vendas a crédito,
Os distribuidores automáticos,
As fotografias de revelação instantânea,
Os faxes e os terminais de computador,
As televisões e as rádios em informação.
Não preciso de esperar as notícias:
Elas surpreendem-me porque se me antecipam.
Mas Tu ó Deus
Decidiste fazer-te esperar
Todo o tempo que dura um advento.
Porque fizeste da espera
O espaço de conversão,
O frente a frente com o que está oculto.
Na espera já Te estás a dar,
E, para Ti ó Deus,
Esperar
Conjuga-se com rezar.


J. DEBRUYNNE, Écoute, Seigneur, ma prière (Paris : s/ed, 1988) 399.

Onde estão hoje, Senhor,
as vozes que proclamam a vossa vinda ?
Fechadas nas multidões anónimas
dos pobres
que esperam um futuro melhor ?
Quem, nos desertos deste mundo,
faz entender o grito dos homens,
a sua esperança ?
Fazei-nos entendê-los,
fazei-nos reconhecê-los,
fazei-nos abrir o nosso coração
às suas esperanças e procuras.
Ajudai-nos a darmo-nos conta
da esperança que nasceu em nós
por causa da vinda do Vosso Filho
muito amado,
Jesus Cristo, nosso Senhor.

Nos perigos,
Nas angústias,
Na dúvida,
Pensa em Maria, invoca o seu nome.
Que ela não se afaste da tua boca,
Que não se afaste do teu coração, e,
Para obteres o socorro da tua oração
Não desprezes o exemplo da sua vida.
Se a seguires, não te desvias.
Se lhe rezares, não desesperas.
Se a consultares, não te enganas.
Se nela te apoiares, não cais.
Se ela te proteger, nada temes.
Se ela te conduzir, não te cansas,
Se te for favorável, chegarás ao fim.
E assim, em ti mesmo experimentarás
Exactamente o que foi dito:
E o nome da Virgem era Maria!

S.Bernardo


Com todas as minhas forças,
aquelas que me destes,
eu vos procurei, Senhor,
desejando ver aquilo em que acreditei.
Vós que me destes a possibilidade
de Vos encontrar,
dai-me também a coragem
de Vos procurar
e de esperar encontrar-Vos
sempre à minha frente.
Diante de Vós coloco a minha solidez,
guardai-a!
Diante de Vós coloco a minha fragilidade,
curai-a!
Diante de Vós
coloco tudo o que posso e tudo o que ignoro.
Por onde abristes, eu entro: acolhei-me.
De lá onde me fechastes, eu clamo: abri-me.
Fazei com que não Vos esqueça.
Fazei com que Vos compreenda.
Meu Deus e meu Senhor fazei com que vos ame !

Santo Agostinho

segunda-feira, julho 23, 2007








Passos da Oração



A oração pode ajudar-nos a reconhecer, pouco a pouco, a acção de Deus na vida quotidiana, a nossa maneira de estar com Ele ... ou sem Ele ... Nesse sentido, a oração é um tempo de espera e de vigilância: durante algum tempo diário (mais breve ou mais longo) é possível voltarmo-nos para Deus para, com Ele, revermos o dia e as acções, recordarmos o seu amor para connosco e nos desafiarmos a viver as coisas concretamente.

1. Relaxação
Fazendo silêncio interior ... respirando e acalmando-se ... escolhendo o sítio, o ambiente de recolhimento e de paz. O corpo também reza ...

2. Presença de Deus
Cair na conta de que Deus está comigo, está em mim, na minha história e em tudo o que me envolve ... quer estar comigo, e eu vou (quero) estar com Ele. Fazer um acto de fé.

3. Oração preparatória ou rectificação da intenção
Pedir a Deus, que é Pai e Senhor, que “todas as minhas intenções, acções e projectos” bem como esta oração, se orientem para Ele.

4. Composição do lugar
Conforme a matéria da oração ou texto da Escritura, imaginar a casa, cena, palavras, intervenientes ... tornando-me presente.

5. Petição
“Pedir o que quero”, conforme a matéria proposta, pedir a graça de alcançar de Deus o objectivo que nessa oração se pretende. Por exemplo, alegria, arrependimento, luz para discernir e escolher, conhecimento interior de Jesus ...

6. Leitura / meditação dos textos bíblicos ou tema das notas pessoais
À medida que vou lendo, lentamente, saborear, falar com Deus, com Jesus ... entrar num diálogo íntimo de amizade e ir aplicando a mim o que vou entendendo.
Sem pressa. Tomar nota de sentimentos, consolações e desolações, das passagens importantes, dos desejos e dos propósitos.
Às vezes é como quem escreve uma carta a um amigo: ir encontrando o que mais me ajuda a estar com Ele.

7. Colóquio ou conversa final
“Como um amigo fala com outro amigo” terminar a oração com uma “conversa” concreta para pontualizar, resumir, fixar, ... agradecer.

8. Pai – Nosso
Terminar com esta ou com outra oração concreta

(9. Avaliação)
Depois de terminada a oração ajuda sempre pensar “Como é que correu ?” e tirar daí algumas conclusões vendo o que mais me ajudou e o que mais me preocupou, aquilo mesmo que me pode ter faltado. Aprende-se a rezar, rezando, reflectindo sobre a própria oração e melhorando.
É preciso aprender a “tirar proveito” da experiência, qualquer que ela seja (melhor ou pior). O que foi que mais me tocou ?







O grande desafio da espiritualidade é, então, ajudar a ver o “dentro” das coisas। À maneira daquele poema que alguém escreveu e que diz que:


- posso comprar a convivência, mas não a amizade;
- posso comprar a festa, mas não a alegria;
- posso comprar a consciência, mas não a paz;
- posso comprar o livro, mas não a sabedoria;
- posso comprar o alimento, mas não o apetite;
- posso comprar uma boa cama, mas não o descanso;
- posso comprar um lugar no cemitério, mas não o céu.



Rezar a Palavra


Elementos para uma Lectio
divina




1) A lectio divina, uma experiência de Israel e da Igreja
2) Um lugar para a lectio divina
3) Um tempo de silêncio para que Deus fale
4) Um coração aberto e disponível
5) Invoca o Espírito Santo
6) Lê a Palavra
7) Medita, aprofunda a mensagem que leste e que Deus te quer comunicar
8) Reza, fala com Deus, responde aos seus desafios e convites, às suas inspirações e pedidos, às mensagens que te enviou pela Palavra compreendida à luz do Espírito Santo. Entra em diálogo e fala como “um amigo fala com o seu amigo” (Deut 34, 10)
9) Agradece a Deus a Palavra que te deu. Conserva o que viste, entendeste e saboreaste na lectio. Conserva-o no teu coração e na tua memória, e vai para o meio dos homens dar-lhes humildemente esta paz que o mundo não pode dar. Terás assim força para agir com eles e realizar na história a Palavra de Deus, pela tua acção social, política, profissional …
Deus tem necessidade de ti como instrumento no mundo para fazer novos céus e nova terra. Um outro dia Ele espera-te, um dia em que vendo Deus face a face através da morte, Ele te mostrará o que foste, uma carta viva escrita por Cristo, uma lectio divina para os teus irmãos, o Filho de Deus.

Enzo BIANCHI


A pessoa que somos, e que parece evidente, aprende-se devagar।[...] Quantas pessoas te amaram ? Quantas pessoas amaste ? O afecto é a melhor maneira de saberes o tamanho da tua vida। Ou seja, do até onde exististe. Haverá outro balanço para saberes se ela valeu a pena ?


Vergílio Ferreira, Pensar, 481. 471


« A oração, para mim, é essencialmente esta disponibilidade ao chamamento de Deus: fala Senhor que o teu servo escuta. O segredo da vida espiritual é o de ter o ouvido afinado para entender a sua Palavra em nós ».


Abbé Michel Pascal