sexta-feira, agosto 17, 2007


Domingo XX
do
Tempo Comum
- Escutando a Palavra de Deus -


As divisões que Jesus anuncia deixam-nos algo derrotados já que Ele Se apresenta também como Príncipe da Paz, Aquele que vem reconciliar entre si e com o Pai do Céu. É evidente então que estas divisões não são da sua responsabilidade. As divisões e perseguições são o sinal das nossas resistências à sua Palavra, o sinal das nossas recusas e negações que fazem “matar os profetas”, o sinal do orgulho que nos faz querer viver longe da Fonte da nossa vida e de toda a vida. Estas divisões atingem-nos no mais íntimo de nós mesmos onde uma parte ainda resiste ao chamamento do amor. Mantenhamos os olhos fixos em Jesus. O trabalho de reconciliação em nós e em nosso redor será realizado por Cristo que por nós Se entregou na Cruz.

A Palavra de Deus é um fogo com o qual Jesus quer incendiar o mundo. É um fogo porque, logo que alcança alguém, transforma-o num raio que propaga o fogo da Boa Nova.

Irmão Domingos, Família de S. José






IMACULADA CONCEIÇÃO DE NOSSA SENHORA




Maria não teve medo e o projecto de Deus realizou-se


“Não tenhas medo, Maria, porque encontraste graça diante de Deus […] O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Espírito Santo te cobrirá com a sua força” (Lc 1, 30. 35).
Nossa Senhora é a expressão da humanidade que se mantém aberta diante do mistério de Deus e que concretiza a esperança de Israel. E, ao mesmo tempo, é a expressão do homem / humanidade enriquecido por Deus como mostram as palavras do anjo: O Senhor está contigo … encontraste graça diante de Deus.
Mais que João Baptista, mais que todos os profetas, Maria é o sinal, figura, da humanidade que, simplesmente, ama e espera. É o sinal, figura, da humanidade que aceita Deus, que acolhe a sua Palavra e se transforma em instrumento da sua revelação. E Deus é Quem age. Não Se deixa ficar longe ou fora da história, mas actua nela. E tudo, no relato do Evangelho, (palavra do anjo, resposta de Maria, presença criadora do Espírito), se encaminha para a salvação da humanidade.

Onde estás ? Perguntou Deus a Adão. E Adão, por medo, como relatam os Génesis, escondeu-se. Onde estás ? é a expressão de um Deus permanentemente á procura do homem, mas é também a expressão de um homem que tentou, por vergonha, fugir e esconder-se de Deus. A vergonha conduz à cautela (a desconfiança); a cautela conduz ao medo (não acreditar em mais ninguém); o medo conduz ao encobrimento das situações (a busca das pseudo-justificações); e o encobrimento das situações conduz à mentira (o auto-engano), conduz à vida escondida, aquilo que não se pode mostrar e não se pode ver.
Ora Deus vem onde nós estamos, quer dizer, vem onde nós somos e ao que nós somos. Onde estás ? não é uma interrogação para a destruição, mas uma inquietante procura para a salvação. A vergonha de nos deixarmos ver como somos será, então e sempre, impedimento à relação de confiança com Deus (como filhos diante do Pai).

Ao contrário de Adão que teve medo ao ouvir e sentir a aproximação de Deus, Maria experimenta e revela uma imensa confiança, um imenso amor, uma intensa inquietação. Novamente Deus vem onde está a humanidade. Mas a resposta de Maria não é como a de Adão ou de Eva. Maria, Nossa Senhora, é a expressão da humanidade que se mantém aberta diante do mistério de Deus. É a expressão da humanidade enriquecida por Deus como mostram as palavras do anjo: O Senhor está contigo … encontraste graça diante de Deus.
Por isso Maria é dita a nova Eva, aquela que dá o lugar e o ventre ao Novo Adão, Jesus Cristo, no mistério da encarnação, expressão máxima da intimidade de Deus com o homem e do homem com Deus, expressão máxima da confiança que venceu o medo e a hesitação.

Pode, por isso, S.Paulo cantar os louvores de Deus: Bendito seja Deus que, em Cristo, nos encheu de todos os bens. Foi em Jesus Cristo que nos tornámos herdeiros de Deus.
A solenidade da Imaculada Conceição de Nossa Senhora é, portanto, a celebração da imensa gratuidade de Deus que nos dá seu Filho Jesus Cristo como Aquele que, assumindo a nossa carne, comungando connosco, nos ensina o caminho para sairmos dos nossos medos de morte e de distância de Deus.
Diante do pecado alicerce e fundamento de todos os pecados (original, primeira pedra), Maria reflecte já o poder de Cristo Salvador, a Pedra angular, alicerce do homem novo. E por isso é dita imaculada desde o seu nascimento.


O dogma da Imaculada Conceição


Este Dogma da Imaculada Conceição de Nossa Senhora, segundo o qual Maria, desde o momento da sua concepção, foi preservada de qualquer sinal do pecado original, foi promulgado pelo Papa Pio IX em 8 de Dezembro de 1854 e constitui, ao tempo, uma verdadeira inovação. É a primeira vez que o Papa proclama uma definição dogmática independentemente de qualquer assembleia conciliar[1].

Ouçamos o texto do Dogma para, em seguida, tentarmos perceber como pode Maria, na sua Maternidade divina, ser “dogmatizada”.

Para honra da santa e indivisa Trindade, para glória e louvor da Virgem Mãe de Deus, para exaltação da fé católica e aumento da religião cristã, com a autoridade de nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo e com a nossa declaramos, proclamamos e definimos que a doutrina que sustenta (afirma) que a Santíssima Virgem Maria foi preservada imune de toda a mancha do pecado original desde o primeiro instante da sua concepção por singular graça e privilégio de deus Omnipotente, em atenção aos méritos de Cristo Jesus Salvador do género humano, está revelada por Deus e deve, portanto, ser firme e constantemente acreditada por todos os fiéis[2].
É desta forma que o texto da definição dogmática se refere à concepção de Nossa Senhora. A Virgem Maria foi, portanto, preservada do pecado. Preservada significa que não chegou a entrar no pecado ou o pecado a entrar nela. E essa, como veremos é a grande questão que estará em debate[3].


Fundamentos do Dogma da Imaculada Conceição


A festa da imaculada Conceição tem por origem a festa da concepção de Santa Ana, festa que aparece no início do séc. VIII nas Igrejas do Oriente. A partir da Igreja oriental essa tradição atingiu rapidamente a Itália na altura do domínio bizantino e, a partir daí se difunde..
Ainda antes de a vermos aparecer na França damos conta da sua presença em Inglaterra e na Irlanda onde foi introduzida por peregrinos regressados da Terra Santa.
É no séc. XII que a festa da concepção de Santa Ana se converteu definitivamente na festa da concepção de Nossa Senhora.

Desde muito cedo, contudo, os Padres da Igreja e a tradição em geral, ensinaram este “privilégio” excepcional que faz da Virgem Maria uma criatura singular.

Quando, nos inícios do Cristianismo, Maria é descrita como Nova Eva (sobretudo por Sto Ireneu, Adv Haereses, III, 22, 4 e V, 19, 1) o que se afirma é a santidade perfeita de Maria.
Claro que mesmo os Padres do séc. II tiveram ideias discrepantes a respeito da santidade de Maria.
Por exemplo, Tertuliano defenderá, a partir do episódio bíblico em que Maria e os discípulos queriam ver Jesus, que Maria vacilou na fé. Para Tertuliano o texto de Mt 12, 24 tem de ser lido de forma simbólica e, nesse sentido, quando se diz que Maria e os outros irmãos de Jesus ficaram de fora da porta está a simbolizar-se a atitude dos judeus: em Maria e nos outros irmãos estão prefigurados a Sinagoga e os Israelitas que se abstêm de entrar no Reino que Jesus anuncia e do qual é sinal.

Já Orígenes tem uma ideia muito mais positiva da santidade de Maria fazendo-a derivar do Verbo de Deus que Maria traz no seu seio. Contudo, segundo ele, Maria não estaria totalmente isenta de culpa já que também ela esteve sujeita ao “escândalo” da Cruz. Orígenes fala da universalidade da redenção e inclui nela a Maria.

E esta será também a posição dos Padres da Igreja do séc. IV no Oriente: por um lado acreditam na santidade de Maria que deriva do facto da sua maternidade divina e para a qual foi purificada antecipadamente pelo Espírito Santo. Mas, por outro lado, afirmam para Nossa Senhora a necessidade de participação nos frutos da redenção.

É nesse sentido que, em finais do séc. IV, S. João Crisóstomo expressa, podemos dizer, uma visão pessimista da santidade de Maria. E aponta como razões e exemplos a dificuldade em acreditar na mensagem do Anjo Gabriel (“Como será isso?”); em Caná quis avançar de mais e Jesus teve de lhe chamar a atenção (“Mulher que há entre nós?”); olhava muita vez para Jesus como um simples homem. Diz o mesmo S. João Crisóstomo que aquilo de que se tratava neste episódio era de uma ambição desmesurada de Maria por se querer mostrar como a Mãe de Jesus.

Quase na mesma linha nos aparece S. Cirilo de Alexandria para quem Maria vacilou na fé. É, aliás, por isso, afirma, que Maria necessitará do apoio do discípulo João.

Claro que estas denominadas fragilidades não impedem os Padres do Oriente de chamar santa e santíssima a Nossa Senhora e, mais do que isso, de a apresentar como modelo de vida. Esta é a posição que a Igreja Ortodoxa mantém ainda hoje e pela qual nega a Imaculada Conceição.

Não obstante todas as dúvidas manifestadas, o Concílio de Éfeso (431) e a sua declaração sobre Nossa Senhora como Téotokos, provoca um enorme crescimento da piedade mariana no Oriente.

Já no Ocidente o entusiasmo é menor por estar em curso uma grande reflexão sobre o pecado original e uma verdadeira luta entre as teorias agustinianas e pelagianas. E como dessa luta surgia cada vez mais explicitamente que apenas Jesus era isento do pecado dito original, Maria seria um tema sem interesse. Aliás, dela afirmar-se-ia que não era isenta do pecado original.
Pelágio estava convencido da total santidade de Maria e indicava-a como exemplo do que pode realizar a natureza humana quando recusa o pecado. Sto. Agostinho responder-lhe-á que essa prorrogativa é um privilégio devido ao facto de Maria ser a Mãe de Deus.
Sto Agostinho não atribui, no entanto, o pecado dito pessoal, a Nossa Senhora e professa a sua santidade total e absoluta. Sublinha, no entanto, e sempre, que isso se deve a uma graça especial recebida em louvor do próprio Deus.

Nesta troca de ideias, a questão vai centrar-se na discussão em torno do pecado original. Sto. Agostinho mantém a perspectiva de que toda a humanidade está sob o poder do pecado original à excepção do próprio Cristo. Outros contemporâneos seus excluem Maria ao pecado original. E a questão de divergência vai residir neste ponto. A questão da imaculada concepção de Nossa Senhora ficará então directamente relacionada à questão do pecado original.

Segundo Sto Agostinho, Nossa Senhora não está sob a influência do pecado senão pelo facto de que o pecado alcançou toda a humanidade até ao momento em que a humanidade alcançou a regeneração[4]. Para Sto Agostinho, todo o ser humano vem ao mundo com a herança do pecado de Adão que representa não só o pecado pessoal, mas também a contaminação de toda a natureza humana.

No Oriente a Igreja não experimentará as mesmas dificuldades e sentirá um enorme impulso de piedade e reflexão mariana após o Concílio de Éfeso em 431. Na pregação vão abundando cada vez mais os elogios ao papel de Maria na História da Salvação.

No séc. VIII, contudo, a situação torna-se mais clara. André de Creta (+ 740) opina que toda a vida de Maria decorreu sem mancha e sem pecado. Maria é comparada à terra pura da qual Deus formara Adão e o nascimento de Maria é comparado à criação da primeira mulher antes do pecado. O novo Adão (Jesus) e a nova Eva (Maria) são virgens de todo o pecado. Por isso Maria tem em si as primícias de toda a salvação e de toda a divinização.
É neste século que se dá um passo muito importante: da reflexão da santidade inicial de Maria passa-se à afirmação da sua santidade original. Daí que se comece a chamar com maior evidência “santa” e “imaculada” à Virgem Maria e se comece a celebrar a sua imaculada concepção.

S. João Damasceno que, em certo sentido, recapitula a teologia dos Padres da Igreja do Oriente dirá então que, em Maria, tudo se deve à sua maternidade divina. É por ser Mãe e para ser Mãe de Jesus que é concebida sem pecado.

No Ocidente, ao contrário, as opiniões continuam marcadas pelo pensamento de Sto. Agostinho. Só Cristo evitou o pecado desde o seu nascimento.

Pascácio de Radberto (790-860) afirmará a imaculada conceição de Nossa já que, segundo ele, Maria nunca terá tido contacto com o pecado.
Nesse sentido, a festa da Conceição de Maria existente no Oriente passa ao Ocidente em meados do séc. XI e difunde-se no séc. XII por toda a Europa.


Os séculos XI a XVIII – as discussões teológicas


É, portanto, na continuação da discussão anterior que se chega ao séc. XI. A questão da imaculada concepção de Nossa Senhora continuou a ser matéria de reflexão dos teólogos latinos e as diferenças continuaram a afirmar-se.

Santo Anselmo, S. Bernardo e S. Tomás negarão a Imaculada Conceição de Nossa Senhora na medida em que vai contra a universalidade do pecado original e, consequentemente da redenção.
S. Bernardo, por exemplo, um grande devoto de Nossa Senhora, não aceita a Imaculada Conceição de Maria. S. Bernardo colocará Maria entre as outras personagens singulares do Antigo e do Novo Testamento, mas dirá que isso não chega para colocar em relevo a sua concepção. Só o Senhor Jesus, afirmará ele, foi concebido pelo Espírito Santo e só Ele é santo desde a sua concepção. Exceptuando Jesus, todos os outros filhos de Adão serão iguais.
S. Bernardo recusa, portanto, a Imaculada Conceição como sendo incompatível com o pecado original.
Também S. Tomás de Aquino não vê como será possível conciliar a universalidade do pecado original e da redenção com a Imaculada Conceição de Nossa Senhora. Segundo S. Tomás há um grave problema: é que só pode ser santificado aquilo que existe. E se Maria ainda não existia (antes da sua concepção) como poderia ser santificada ? Então S. Tomás fala da santificação de Maria como de uma purificação total do pecado original.

S. Boaventura introduzirá nesta reflexão um outro aspecto. Dirá ele que Maria foi redimida sob o modo de preservação do pecado e não sob a forma da purificação de pecado.

Mas é Duns Scoto (1266-1308) que elabora uma solução e a resposta a todas as objecções à imaculada conceição de Nossa Senhora: Segundo ele, Maria foi resgatada pela Cruz de Cristo em previsão dos méritos de seu Filho.
Maria teria contraído o pecado hereditário se a graça do redentor não a tivesse preservado. E porquê esta preservação ? Por causa da excelência de Maria, por ser a primeira benificiária da salvação e da reconciliação.

É então a partir de Duns Scoto que a situação doutrinal acerca da imaculada conceição de Nossa senhora se vai inverter. E é a partir deste “princípio da excelência “ que acaba por se diminuir a oposição entre a universalidade do pecado original e a imaculada conceição de Nossa Senhora. A imaculada conceição de Nossa Senhora não subtrai Maria à redenção de seu Filho, antes, pelo contrário, enquanto redenção preventiva é o fundamento de onde parte. Se o pecado original não impede ninguém de receber o baptismo, porque é que havia de impedir a santificação inicial de Maria ?

De seguida, em 1439, o Concílio de Basileia define a Imaculada Conceição de Nossa Senhora como festa a 8 de Dezembro para toda a Igreja. Claro que, como este Concílio era cismático, o texto não foi bem acolhido e não ganha imediatamente valor magisterial.

A Imaculada Conceição de Nossa Senhora continua, por isso, a ser causa de discussão e mesmo divisão na Igreja e, nesse sentido, o Papa Sisto IV declara em 1483 que a Imaculda Conceição de Nossa Senhora é uma doutrina livre. O Papa proíbe nessa altura a cada uma das facções que acuse de herética a contrária.

E é a esta declaração que se remete o Concílio de Trento no final do Decreto sobre o pecado original quando declara que não é sua intenção incluir nesse decreto um capítulo sobre a Bem-Aventurada e Imaculada Virgem Maria, Mãe de Deus, mas que retoma as orientações do Papa Sisto IV.
Esta é uma declaração que se reveste de singular importância porque reconhece a importância da argumentação que pretende conciliar a universalidade do pecado original e da redenção com a Imaculada Conceição de Nossa Senhora. Ou seja, ao mesmo tempo que proclama que o pecado original não tem nenhuma excepção, proclama também que essa excepção é possível. De Trento, contudo, não sai nenhuma definição dogmática nesse sentido.

A questão continuou a debater-se até ao séc. XIX . Paulo V e Gregório XV, Papas do séc. XVII, pedem que, em virtude das acesas discussões que o tema sempre gera, os cristãos se abstenham de tomar posição e os clérigos se abstenham de pregar sobre a Imaculada Conceição de Nossa Senhora. A certa altura, Gregório XV impôs mesmo o silêncio sobre o assunto e ordenou que se continuasse a celebrar apenas a festa da Concepção de Nossa Senhora e não a da Imaculada Conceição (Concepção sem nenhum qualificativo).
Em 1661 o Papa Alexandre VII aprova oficialmente o culto à Imaculada Conceição e reconhece a antiguidade desse mesmo culto mas não o impõe à Igreja.


Pio IX, a Bula “Ineffabilis Deus” e o dogma da Imaculada Conceição


Em 8 de Dezembro de 1854 o Papa Pio IX, depois de consultar todos os bispos do mundo, procedeu à definição solene do dogma da Imaculada Conceição.
O que muda no texto em relação aos escritos de Alexandre VII é a diferença entre crença (culto livre) e revelação (acolhida enquanto Igreja). O Papa afirma que Maria foi isenta de pecado desde o início da sua existência. Foi resgatada por seu Filho, por uma graça especial, já que foi preservada e não apenas purificada.
E, para fundamentar a definição, o Papa opina que a doutrina da Imaculada Conceição está consignada nas Sagradas Escrituras citando os textos de Gen 3, 15 e Lc 1, 28. 42.
16.Também o Concílio Vaticano II se expressará a respeito da Imaculada Conceição (LG 56).


Uma palavra sobre Portugal


Entre nós, o documento mais antigo que se conhece com referência à Imaculada Conceição de Nossa Senhora é uma Constituição de D. Raimundo Evrard, bispo de Coimbra (17. Outubro. 1320) determinando a realização da festa da Imaculada nesse mesmo ano em Coimbra. A devoção à Imaculada Conceição de Nossa Senhora viria, no entanto, popularmente, já muito de trás e continuaria para sempre intimamente ligada à vida da Igreja e diocese de Coimbra.
Em 1617 a Universidade de Coimbra manifesta ao Papa a sua aceitação e fé na imaculada Conceição. Em 1634 o Bispo D. Lopo de Almeida congrega o Clero e, juntos, juram defender a imaculada Conceição de Nossa Senhora. Em 1637 o Concílio Diocesano de Coimbra faz novamente juramento de defesa da Imaculada Conceição.
E, em 25 de Março de 1646, restaurada a independência de Portugal e do seu reino, nas cortes celebradas em Lisboa, declarou el-rei D. João IV que tomava a Virgem Nossa Senhora da Conceição por padroeira do Reino de Portugal, prometendo-lhe em seu nome, e dos seus sucessores, o tributo anual de 50 cruzados de ouro.
Ordenou o mesmo soberano que os estudantes na Universidade de Coimbra, antes de tomarem algum grau, jurassem defender a Imaculada Conceição da Mãe de Deus.
Não foi D. João IV o primeiro monarca português que colocou o reino sob a protecção da Virgem Mãe, apenas tornou permanente a sua devoção.
D. João I já punha nas portas da capital a inscrição louvando a Virgem, e erigia o convento da Batalha a Nossa Senhora, como o seu esforçado companheiro D. Nuno Alvares Pereira levantava a Santa Maria o convento do Carmo.
Foi pois por provisão de 25 de Março do referido ano de 1646 que se mandou tomar por padroeira do reino Nossa Senhora da Conceição.


Imaculada Conceição de Nossa Senhora


Chegados ao fim dos aspectos histórico-teológicos do debate em torno da Imaculada Conceição de Nossa Senhora, afirma-se uma questão muito clara: qual teve de ser a santidade da mulher que estava destinada por Deus a ser a Mãe de seu Filho ? Ou seja, qual é a santidade da mulher que está chamada a ser a Mãe do Santo dos Santos ?
A resposta a estas questões encontramo-la precisamente na relação de Maria a Cristo. A santidade de Maria não é em primeiro lugar uma santidade moral, mas uma santidade que lhe advém da sua própria vocação. Então a pergunta pode fazer-se de uma outra maneira: qual é a santidade que é necessária que exige a função de Mãe de Deus ? Qual foi a graça da Mãe que é fonte de todas as graças ?
É destas questões que brota a resposta: a Mãe do Santo por excelência tinha que estar livre de toda a sujeição ao pecado. O Filho não quis que aquela que seria sua Mãe tivesse estado sujeita ao poder do maligno.

Maria recebeu, portanto, a graça com a existência. E por isso foi preservada do pecado. Sobre a solidariedade com Adão prevaleceu a solidariedade, como futura Mãe, com Jesus Cristo. É desta forma que também Maria recebe os frutos da redenção: redenção preventiva, purificação antecipada, que a subtrai aquilo que podemos chamar a “desgraça do pecado”.

A Imaculada Conceição de Nossa Senhora fundamenta-se, pois, sobre a maternidade messiânica de Maria. Maria é, de facto, desde o primeiro instante, a futura Mãe do Redentor. A futura maternidade messiânica é, portanto, uma situação de graça, um estado de graça.


P. Emanuel Matos Silva



[1] Cf. Dominique CERBELAUD, Marie un parcours dogmatique (Paris : Cerf, 2003) 141.
[2] D 2803/4
[3] Cf. J. TAMAYO, Dogma in Diccionario abreviado de pastoral (Estella: Verbo divino, 1988)163.
[4] Cf. Bernard SESBOÜÉ, Los Signos de la salvación (Salamanca: Secret. Trinitário) 451.