sábado, setembro 16, 2006


“Vocações na Igreja”


Beneditinos



A corrente espiritual representada pela Ordem de S. Bento constitui, de forma quase exclusiva, a experiência religiosa do monaquismo ocidental desde o séc. IV ao séc. XII.

Fundador: S. Bento de Núrsia (480-547)
S. Bento de Núrsia, também chamado “pai dos monges do ocidente” é conhecido pela sua regra monástica e pela sua vida. Nasceu em Itália, na região de Núrsia, no fim do séc. V (480). Em Roma inicia os seus estudos, mas rapidamente deixa a cidade e se retira na montanha, em Subiaco, onde viverá numa gruta. Assim se torna eremita até ao dia em que alguns membros de um mosteiro vizinho, tendo perdido o seu abade, lhe pedem que o suceda. A verdadeira e exigente reforma que empreende não agrada, naquele momento, aos monges, mas os seus valores tornar-se-ão em pouco tempo paradigma de toda a vida religiosa.
Retirar-se-à, mais tarde, forçadamente, para o monte Cassino onde permanecerá até à sua morte. Aí se dedica à formação de monges e à pregação.
Os escritos do Papa Gregório Magno, sobre a vida de S. Bento, relevam imensos carismas na pessoa do chamado “pai dos monges do ocidente”.
A sua Regra monástica é baseada na oração, no trabalho, e na vida comum.
O grande desenvolvimento e propagação da Regra beneditina não se deu logo após a morte de S. Bento (547), mas apenas a partir do séc. VII, altura em que, com S. Gregório Magno, se vai tornar numa verdadeira “Regra”. Os Mosteiros já existentes a essa data vão operar reformas na sua estrutura e ligar-se à Ordem de S. Bento que é tomada como modelo autêntico. No séc. X, o Mosteiro de Cluny, sob a Regra beneditina, vai ser uma grande impulsionador da reforma dos mosteiros. Opera-se neste momento, em toda a Igreja, uma tentativa de reforma eclesial. Cluny será um grande centro e imensos Mosteiros se filiarão ao Mosteiro beneditino de Cluny. Em meados do séc. XII contam-se em cerca de 1.000 os Mosteiros ligados a Cluny num totral de 10.000 monges.
Cluny atingirá, contudo, uma grandeza e um fausto que fazem colocar novamente a questão da necessidade da reforma e purificação da vida monástica comunitária. As novas correntes beneditinas aparecerão, numa tentativa de reforma, ligadas a Roberto de Molesmes, caracterizadas por um maior espírito de solidão, humildade e pobreza ao mesmo tempo que oração e trabalho.
Após a Revolução Francesa a Ordem Beneditina sofre uma grande regressão, mas logo a partir de 1800 se opera um novo renascimento.
No início do séc. XX, com o renascimento generalizado do monaquismo, a Ordem beneditina retoma muito do seu antigo vigor. Em 1955 contavam-se 11.476 monges beneditinos.

Estatutos
A Ordem de S. Bento (OSB) é uma Ordem monástica - os Beneditinos são Monges e repartem o seu tempo diário entre a oração comunitária, a oração pessoal, a leitura da Palavra e o trabalho manual ou intelectual.

Regra
A Regra da Ordem de S. Bento é a Regra de S. Bento, redigida na primeira metade do séc. VI e dividida em 73 Capítulos (existe uma edição portuguesa recente do Mosteiro de Singeverga, 1992).
A Regra de S. Bento, após catorze séculos, é ainda uma verdadeira regra de sabedoria. Vivida hoje com algumas adaptações fruto dos tempos e da renovação eclesial, ela continua, contudo, a ajudar aqueles que a abraçam livremente a caminhar para uma verdade interior e um coração dilatado no amor. A Regra diz, sobretudo, o amor a Deus e a vivência muito concreta e prática da fraternidade monástica de uma forma libertadora.
O governo da Ordem é, usando os termos da actualidade, “monárquico” e “democrático”. Existe um Abade eleito por tempo indeterminado. O Abade decide tudo, mas não sozinho, havendo decisões que têm de ser tomadas em “conselho” constituído pelo Abade, o ecónomo, o mestre de noviços, o prior, três irmãos eleitos pela comunidade do Mosteiro e três irmãos eleitos pelo Abade. Este conselho é consultado para as diversas decisões a tomar. Além disso existe o conselho de toda a comunidade, o “capítulo” que junta todos os professos.

Os Beneditinos e todos aqueles que estão relacionados à Regra de S. Bento, pronunciam e professam os votos de obediência, conversão dos costumes e estabilidade.
O grande critério para se entrar na regra de S. Bento é que “se procure Deus”. Só depois vem o aspecto comunitário - uma forma de viver e procurar Deus . Nesse sentido, a grande qualidade que se pede ao candidato a monge beneditino é que seja capaz de viver só e de viver em comunhão de uma forma equilibrada e pacífica. Alguém que não suporte a solidão e o silêncio não pode viver em comunidades monásticas porque esses são aspectos fundamentais da vida quotidiana e das regras monásticas em geral. O mesmo se diga de um carácter instável.


Um dia beneditino (exemplo)
06h00 - Levantar
06h20 - Oração comunitária de Laudes
07h00 - Tempo de solidão, pequeno almoço e “lectio divina”
09h10 - Missa
- Trabalho (manual e intelectual...)
12h30 - Oração comunitária da Hora Sexta
- Almoço
- Tempo livre
14h00 - Trabalho ...
18h30 - Oração comunitária de Vésperas e oração pessoal
19h30 - Jantar e tempo livre (Telejornal, Imprenssa, etc)
20h30 - Reuniões da Comunidade ou outros trabalhos
21h30 - Vigília (Ofício noturno)
- Descanso

Ordem Beneditina, em Portugal
- Mosteiro de Singeverga -
Roriz, 4780 SANTO TIRSO

- Priorado de Nª Sª da Assunção
Colégio de Lamego, 5100 LAMEGO

- Cela de Nª Sª da GraçaRua da Senhora do Monte, 44, 1100 LISBOA

terça-feira, setembro 12, 2006


A FORMAÇÃO DOS PADRES
- do Seminário para o Presbitério diocesano -
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Do Presbitério para o Seminário
O Seminário, lugar, tempo e experiência de formação dos novos padres, abriu novamente as suas portas. Este ano a nossa Diocese conta com quatro seminaristas no curso filosófico-teológico (em Coimbra) e mais um no Tempo Propedêutico (Leiria). Com os colegas de outras dioceses (Aveiro, Cabo Verde, Coimbra, Leiria, Portalegre – Castelo Branco) e com os formadores (Reitor, Prefeitos, Directores Espirituais) constituem no Seminário de Coimbra e no de Leiria, respectivamente, uma única comunidade de pessoas cuja finalidade e principal razão de ser é formar e preparar para o sacerdócio em Igreja.
O que define o perfil e identidade do padre é a identidade e a missão da Igreja. E sendo a Igreja, em Cristo, o sacramento ou sinal e instrumento da íntima união da humanidade com Deus e de toda a humanidade entre si, é natural que a mesma exija aos seus ministros expressões, atitudes, modos de vida que concretizem essa vocação e missão. E é natural que defina caminhos com identidade própria.
O Seminário, enquanto comunidade educativa, integra-se neste processo e está ao serviço desta finalidade. É o perfil dos padres que Deus quer na sua Igreja que determina os estilos de formação no Seminário. É por isso que, a seu modo e no seu tempo, o Seminário é a continuação na Igreja da experiência dos apóstolos que, reunidos à volta de Jesus, aprendem com Ele para serem também por Ele enviados.
E tudo começa, podemos dizer assim, na forma como nascem e se compreendem as vocações. O ritmo e dinamismo são sempre os do chamamento/resposta e, portanto, de desafio, de transformação, de crescimento, de superação.
A resposta segue-se ao chamamento. Não há oferecimento sem chamamento. E, da mesma forma que ser padre é ministério de fé, o chamamento e a resposta são uma experiência de fé. Mas, como em tudo, a fé não é uma abstracção, antes mostra a sua realidade no compromisso histórico. Quando, na experiência da fé, se comunga com Deus o fundamento da vida, a gratuidade (“eu para ti”) faz possível o “seguir-Te-ei, Senhor, para onde quer que fores … seguindo-Te não me perderei”.
É por isso que quem chega ao Seminário traz consigo a experiência de admiração deste ou daquele padre, a experiência de admiração de um presbitério nas suas acções, na sua dedicação, no amor com que acolhe e acompanha, em nome de Cristo, todos os baptizados. Ao contrário da comunhão presbiteral que desperta vocações, o individualismo pastoral resulta sempre em crise vocacional.

No Seminário. Que padres e para que Igreja ?
Um padre não pode ser tudo aquilo que a chamada opinião pública lhe pede que seja. Tem que ser muito mais! É bom que corresponda a essas expectativas mas partindo do fundamento pelo qual se fez padre e ministro da Igreja. A sua vida e ministério não são apenas uma correspondência directa às expectativas das pessoas de quem se está ao serviço e, no entanto, ao mesmo tempo, têm de as integrar. Não sendo, necessariamente, um ministério de tensão, é, contudo e sempre, um ministério de proposta, de anúncio, de desafio, de confronto, de catequese, de evangelização. Mas em nome de uma verdade maior: a de Deus que chama e quer acolher cada homem. “Convivência” e “diferença” fazem parte do seu dia a dia.
Que padres e para que Igreja? Esta interrogação, sempre oportuna, pode esconder, no entanto, uma ilusão: a de querer formar padres de um outro tempo para uma Igreja também de um outro tempo, ou seja, pessoas em abstracto para uma Igreja em abstracto. Para que hipotética Igreja do futuro estaremos nós habilitados a estabelecer o modelo de padre apropriado? E quando chegasse esse momento não estaríamos novamente fora de tempo? Mais, formar um padre é apenas ensinar-lhe um serviço concreto? Não será antes ajudá-lo a desenvolver uma atitude fundamental segundo a natureza do ministério apostólico tal como a Igreja o vive? É que formar apenas para um serviço determinado e “ocasional” não habilita nem prepara para a adaptação e reacção à evolução dos costumes e da vida. É melhor então ajudar a formar a capacidade de mudar do que fixar pessoas em tarefas que, dez anos mais tarde, se manifestam obsoletas. A atitude fundamental, numa época como a nossa de mudanças rápidas e imparáveis, creio ser a de se deixar formar por Cristo desenvolvendo uma humanidade tão rica quanto possível para o serviço dos irmãos. É por isso que não existe um tipo único de padres, mas uma infinidade de dons que evoluem com o tempo e a idade. Haverá homens de estudos, homens mais contemplativos ou “retirados”, homens do contacto e da relação, homens da iniciativa prática, homens …Para serem padres é, necessário, precisamente essa atitude fundamental de receber de Cristo a sua missão (o desafio do fundamento espiritual da vida). Dizer que se recebe de Cristo significa que se recebe de Outro e não de si mesmo. E isso é verificável na capacidade de colaboração em Igreja, na aceitação dos irmãos, na aceitação de regras objectivas, na aceitação de meios de formação permanente, na aceitação da Igreja tal como ela é.
Então o desafio conjuga-se no presente. É hoje. É hoje que Cristo chama. Este é o momento em que se corresponde ou não. É o momento em que se evangeliza pelo acolhimento e proposta ou não. Hoje não temos centenas de seminaristas, hoje não se ordenam grupos de 10 ou 15 padres. É hoje que, pela atitude, é preciso concretizar a proposta.
O Seminário aparece então como um primeiro passo específico numa longa caminhada de atenção e disponibilidade à vontade de Deus. A sabedoria da Igreja, longa de séculos, assume a experiência da vida comunitária como meio de formação. É o tempo em que cada um se descobre mais a si e descobre os outros. A partilha e o “confronto” não são apenas um método psicológico, são a experiência que faz chegar à profundidade do coração.

Do Seminário para o Presbitério
Um Seminário, comunidade formativa, é sempre um presbitério (o conjunto dos padres com o seu Bispo) em gestação. A Igreja, aliás, toda ela, é fundamentalmente um mistério de comunhão.
Cada seminarista, portanto, não se prepara sozinho para ser padre sozinho, mas prepara-se, desde já, no horizonte do presbitério diocesano. Quando é ordenado padre é recebido como irmão pelos outros padres e acolhe-os no mesmo dinamismo fraterno. O Seminário é, por isso, escola de presbitério. É uma fraternidade sacramental mais do que uma simples pertença comum. Por isso o Decreto conciliar sobre O Ministério e a Vida dos Sacerdotes exorta os padres mais experientes a que recebam os mais novos como irmãos e os ajudem nos seus primeiros empreendimentos e encargos do ministério; esforcem-se por compreender a sua mentalidade, embora diferente, e ajudem com benevolência as suas iniciativas. Do mesmo modo, os mais jovens reverenciem a idade e experiência dos mais velhos, aconselhem-se com eles, colaborem de bom grado (PO 8).
As novas situações fazem despertar novas maneiras de estar e viver em Igreja. E no acolhimento em presbitério continua gradualmente a formação de cada padre iniciada no seminário. É melhor preparar para ser capaz de reagir em qualquer momento e circunstância do que preparar para reagir apenas a uma situação. Para preparar o futuro, o essencial é transmitir àqueles que o vão viver a coragem da verdade e do amor.
Os jovens que hoje são ordenados padres não estão livres de defeitos e fraquezas. Mas possuem também imensas qualidades. Eles sabem-no ou descobrem-no durante a formação.
Seria uma ilusão pensar que poderíamos ter, ao sair do seminário, padres perfeitos, com “certificado de garantia” para uns quantos anos. Por isso o desafio é sempre o de vivificar e optimizar a capacidade de responder ao chamamento de Deus com os meios de Deus. A formação permanente é um trabalho contínuo que deve ajudar cada um a reconhecer as suas fraquezas e as graças recebidas, a identificar os meios que Deus concede para trabalhar na correcção das faltas e purificação dos pecados, a ver e contemplar os lugares de alimento para o caminho a que é chamado. É muito mais do que um “emprego”.
Cada padre realiza o ministério de Jesus Cristo no meio do Corpo eclesial. É pela sua boca e pela sua vida que Jesus diz: Este é o meu Corpo entregue por vós. Mas quando o diz não fala apenas em lugar de Jesus, di-lo com a sua própria vida, fala na primeira pessoa. Cristo diz-Se pela sua boca e entrega-Se pelas suas mãos. O padre é, portanto, testemunha de uma unidade e de uma entrega cuja medida não é o seu gosto pessoal, nem as suas paixões, nem as suas ideias, mas sim aquela que Cristo quer. Como dirá S. Bernardo, a única medida do amor é não ter medida.


P. Emanuel Matos Silva

Vocações que Deus nos dá

O realismo da fé cristã

A fé é impressionantemente realista. E somos nós que, muitas vezes e por muitos motivos, a fazemos uma mera abstracção ou um conjunto de abstracções. Retiramos-lhe a consequência. Diz Madeleine Delbrel que fazemos da fé, muitas vezes, uma simples arte … abstracta de viver, uma teoria filosófica ou um sistema de pensamento, construímos ideias acerca da fé ou temos dela uma ideia. Ora a fé é uma ciência prática: é o saber construir a vida hoje, aqui. E, muitas vezes, enganamo-nos acerca dela: não há fé em estado puro; a fé é para um homem, para uma vida de homem, para dedicar esta vida de homem, em Cristo, à salvação de todos os homens; para dedicar esta vida de homem, em Igreja, à salvação do mundo inteiro […] A fé está no tempo e para o tempo, o tempo onde acontece esta vida do homem […] A vida que a fé transforma por dentro é uma vida que manifesta e realiza o amor de Deus, que mostra o amor de Deus como uma árvore mostra os seus frutos, onde os dois mandamentos (amar a Deus e aos outros) são inseparáveis, indivizíveis[1].
O aparecimento do Cristianismo, ao nível da vida religiosa, ao nível das sociedades, ao nível das culturas, trouxe sempre consigo o irromper de um pequeno grupo extraordinariamente vivo, criativo e virulento de novidade[2]. O testemunho das primeiras comunidades surpreende e fascina sempre. A irrupção do Cristianismo renovou interiormente homens e mulheres de todos os tempos, deu-lhes um novo Espírito (Rom 7, 6) que transforma a sua forma de pensar e viver e, sobretudo, os faz membros de uma nova comunidade na qual vivem de acordo com o mandamento novo (Jo 13, 34). A novidade cristã leva os discípulos de Jesus de todos os tempos a viver uma “vida nova” que origina novas formas de vida quotidiana: comunidades de irmãos em Cristo, comunidades que se caracterizam pela alegria, pela esperança, por novas relações entre os seus membros, por um novo olhar e nova perspectiva sobre o mundo, sobre a vida e sobre a própria morte[3]. E hoje, quando nos baptizamos e, depois, casamos ou somos ordenados padres, entramos nesta comunidade e continuidade. Será uma abstracção?

Novidade do Cristianismo e envelhecimento da Igreja ?

Não é estranho, diante da novidade do Cristianismo, que ouçamos perguntar a Paulo: “Podemos saber que doutrina nova é esta que nos expões?” (Rom 6, 4; 1 Tes 4, 13). Já de Jesus muitos contemporâneos tinham dito: “Eis aqui uma nova doutrina” (Mc 1, 27). Com vinte séculos de história o nosso Cristianismo não é, portanto, um Cristianismo fatigado. E num Cristianismo que não está fatigado, a Igreja é memória e é profecia. Mas existe sempre uma condição: que a Igreja, comunidade e cada um dos seus membros, saiba alimentar-se sempre do seu núcleo: Jesus Cristo. É que os cristãos não se produzem nem propagam por clonagem.
Por isso, a Igreja só envelhecerá se muitas das suas estruturas, em vez de anunciarem e presencializarem Jesus Cristo, O ocultarem. Só envelhecerá se faltar nela a transmissão da fé que faz dos pais e das famílias os primeiros comprometidos na vida dos filhos. Só envelhecerá se um dia persistir em tornar-se alheia aos outros. Só envelhecerá se deixar de se evangelizar a si mesma. Só envelhecerá se não tiver capacidade de acreditar primeiro no que anuncia como vida. Só envelhecerá se não for capaz de transmitir a fé como o melhor da vida. Só envelhecerá se se resumir a um “emprego”.
É interessante que, quando Jesus diz aos seus discípulos que são Luz do mundo (Mt 6, 1 -17), Jesus não lhes diz que devem tentar ser vistos pelos homens. Jesus diz-lhes claramente que eles (discípulos) são essa luz que não pode ficar fechada. Jesus não pede, de facto, que saibamos atrair as atenções sobre nós. O que Jesus diz é que: “se fizerdes o que vos mando, sereis vistos pelos homens quer queirais, quer não”. A visibilidade da Igreja pertence à sua própria essência[4]: ela constitui-se do que Jesus “manda” enquanto descoberto e afirmado como possível de viver.
A Igreja só envelhecerá se der o melhor da sua vida à “fobia” de “fazer coisas” sem dar atenção à razão pela qual as faz. Só envelhecerá se continuar a fazer coisas simplesmente “porque sempre se fez assim”. Só envelhecerá se no meio da actual, e muitas vezes justificada dispersão, enveredar pelo caminho da dissimulação.
O Cristianismo é uma vocação extremamente exigente. E hoje toda a gente está cansada das coisas que não valem nada, das graças baratas. Com vinte séculos de história o nosso Cristianismo não é um Cristianismo envelhecido. Amadurece. E porque maduro, é capaz de rir de si mesmo e ultrapassar as dificuldades.

Padres: servidores do baptismo

Servir o baptismo não é fazer numericamente muitos baptismos. Ser servidor do baptismo dos outros é entregar a vida – o que somos e fazemos - para que a fé dos outros (comunidade crente e os não crentes) conheça mais e melhor a Jesus Cristo. É ajudar na descoberta e no encontro de Jesus, na percepção do seu Espírito, no acolhimento da sua Palavra e da sua novidade de vida. Ser servidor do baptismo de alguém é, através dos “instrumentos adequados”, servir e dinamizar a sua vivência cristã da fé. E a Igreja tem muitos “instrumentos adequados”: procura da vontade de Deus como critério de projecto e leitura do itinerário pessoal; acompanhamento espiritual regular; formação espiritual e teológica permanente; celebração frequente da reconciliação; projecto pessoal de vida; recolecções e retiro; experiência da oração pessoal quotidiana num dinamismo de verdadeiro e real encontro com a Palavra de Deus em Jesus Cristo que se expressa na vitalidade espiritual; harmonia da personalidade expressa na unidade e no sentido da vida; inteligência da fé que se expressa na humildade, na simplicidade, na dimensão contemplativa da vida, no gosto do saber teológico e teologal para uma capacitação da representação ministerial de Cristo; participação diária na oração comunitária como expressão da comunhão na Igreja e da capacidade de vida em Igreja e para a Igreja; participação viva na(s) Eucaristia(s) diária(s) como fundamento e centro do dia, memorial da morte e ressurreição do Senhor Jesus e expressão da total identificação com Ele e com o seu ministério de dar a vida; idoneidade para o ministério diocesano que se manifesta no amor à Igreja local (Diocese), na referência ao Bispo diocesano e seu presbitério, na comunhão sincera com as linhas pastorais de acção e compromisso, da dedicação ao povo de Deus, na obediência responsável, na comunhão madura com as dificuldades; liberdade afectiva que se manifesta na assunção da própria realidade corpórea e no facto de assumir livre e alegremente um caminho real de castidade que se consagrará no celibato como experiência do dom total de si a Deus e à Igreja; docilidade educativa que se manifesta na liberdade individual, na lealdade eclesial, na transparência das relações pessoais; consciência pastoral do ministério e nunca concepção individualista ou honorífica, etc.Trazemos em vasos de barro o tesouro do nosso ministério, para sabermos que um dinamismo tão sublime vem de Deus e não de nós diz S. Paulo aos Coríntios (2 Cor 4, 7). E por isso talvez Santo Agostinho exclama com tanta força: Hei-de reconduzir quem se extravia, hei-de procurar quem anda perdido. Quer queiras quer não, é isso que farei. E ainda que ao procurar-te os espinhos e as silvas me rasguem a pele, passarei pelas veredas mais estreitas, saltarei todas as sebes e correrei por toda a parte, enquanto me der forças o Senhor (Sermão sobre Os Pastores). A fé é impressionantemente realista. É a vida. E compromete a vida. Vamos rezar pelas vocações ( … muitas e santas … como nos habituamos a dizer). Vamos rezar pelos padres.
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[1] Madeleine Delbrel, La joie de croire (Paris: Seuil, 1968) 177.
[2] Cf. Juan Martin VELASCO, La transmission de la fé en la sociedad contemporânea (Santander: Sal Terrae, 2002) 13.
[3] Cf. Ibid.
[4] Cf. J. KESEL, op. cit 10.
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segunda-feira, setembro 11, 2006


A outra face


O preceito evangélico de dar outra face (Mt 5, 39) tem, no caso da celebração da Eucaristia, um horizonte extraordinário de integração. Dar a outra face não significa, literalmente, voltar o rosto para alguém bater outra vez.
Sendo um preceito evangélico, dar a outra face, resume a totalidade da vida de Cristo: reagiu ao ódio com amor, toda a sua vida foi uma entrega, venceu a morte com o amor. Se a Eucaristia é a síntese do mistério de Cristo, então nela se encontra a raiz da capacidade de dar a outra face.
É precisamente neste sentido que dar a outra face é mostrar a outra perspectiva, outra face de leitura e perspectiva do mesmo problema. É mostrar a perspectiva válida e correcta da vida, a perspectiva bela e que entusiasma, a perspectiva interior e mais verdadeira, aquela que dá e realiza felicidade.
E se os cristãos fossemos capazes de dar a outra face da Eucaristia: a força que dela brota para enfrentar a vida quotidiana sem desfalecer, a capacidade para não desistir de realizar o projecto de Deus na nossa vida ?
Dar a outra face é, diante de alguém que está na escuridão, acender uma luz e dar-se ao trabalho de a acender. É, quando alguém está em desespero, acenar com a luz e o testemunho da esperança. É, no meio da secura e frieza das relações, mostrar e testemunhar a fecundidade do afecto. É, no meio da crítica azeda, oferecer uma palavra de optimismo e compreensão. É quando alguém caminha sem rumo, revelar os passos que conduzem a um porto seguro. É quando ninguém quiser saber de nada pela indiferença, ousar preocupar-se e comprometer-se. É quando estivermos diante de angustiados, mostrar o caminho do conforto como paz.
S. Francisco de Assis resumiu-o bem quando, rezando, pedia: onde houver ódio que eu leve o amor; onde houver ofensa que eu leve o perdão; onde houver discórdia que eu leve a união; onde houver dúvidas que eu leve a fé; onde houver erros que eu leve a verdade; onde houver desespero que eu leve a esperança; onde houver tristeza que eu leve a alegria; onde houver trevas que eu leve a luz…

Somos eucarísticos porque somos cristãos: vivemos em entrega e em gratidão. E a Eucaristia – partindo de Jesus Cristo - é o modelo, o meio, a ocasião, a experiência e a força do desprendimento que nos faz possível essa entrega e gratidão.
Por isso a relação da Eucaristia à nossa caridade, à nossa chamada santidade, à nossa justiça e verdade, ao nosso amor e capacidade de perdão, à nossa bondade.

A Eucaristia, comunhão com Jesus Cristo, é bem a força desta vida. Poderíamos dar aos nossos contemporâneos a outra face da Eucaristia. E poderíamos, antes e todos os dias, dar a outra face da Eucaristia a nós próprios.
Será, sem dúvida, esse o único ritmo e essa a única linguagem que os apaixonará pela vida de Jesus Cristo e nos colocará a todos em comunhão. Como tudo seria diferente se todas as nossas opções e decisões, projectos e realizações partissem daqui, da Eucaristia onde se ganha força para … dar a outra face.