segunda-feira, setembro 11, 2006


A outra face


O preceito evangélico de dar outra face (Mt 5, 39) tem, no caso da celebração da Eucaristia, um horizonte extraordinário de integração. Dar a outra face não significa, literalmente, voltar o rosto para alguém bater outra vez.
Sendo um preceito evangélico, dar a outra face, resume a totalidade da vida de Cristo: reagiu ao ódio com amor, toda a sua vida foi uma entrega, venceu a morte com o amor. Se a Eucaristia é a síntese do mistério de Cristo, então nela se encontra a raiz da capacidade de dar a outra face.
É precisamente neste sentido que dar a outra face é mostrar a outra perspectiva, outra face de leitura e perspectiva do mesmo problema. É mostrar a perspectiva válida e correcta da vida, a perspectiva bela e que entusiasma, a perspectiva interior e mais verdadeira, aquela que dá e realiza felicidade.
E se os cristãos fossemos capazes de dar a outra face da Eucaristia: a força que dela brota para enfrentar a vida quotidiana sem desfalecer, a capacidade para não desistir de realizar o projecto de Deus na nossa vida ?
Dar a outra face é, diante de alguém que está na escuridão, acender uma luz e dar-se ao trabalho de a acender. É, quando alguém está em desespero, acenar com a luz e o testemunho da esperança. É, no meio da secura e frieza das relações, mostrar e testemunhar a fecundidade do afecto. É, no meio da crítica azeda, oferecer uma palavra de optimismo e compreensão. É quando alguém caminha sem rumo, revelar os passos que conduzem a um porto seguro. É quando ninguém quiser saber de nada pela indiferença, ousar preocupar-se e comprometer-se. É quando estivermos diante de angustiados, mostrar o caminho do conforto como paz.
S. Francisco de Assis resumiu-o bem quando, rezando, pedia: onde houver ódio que eu leve o amor; onde houver ofensa que eu leve o perdão; onde houver discórdia que eu leve a união; onde houver dúvidas que eu leve a fé; onde houver erros que eu leve a verdade; onde houver desespero que eu leve a esperança; onde houver tristeza que eu leve a alegria; onde houver trevas que eu leve a luz…

Somos eucarísticos porque somos cristãos: vivemos em entrega e em gratidão. E a Eucaristia – partindo de Jesus Cristo - é o modelo, o meio, a ocasião, a experiência e a força do desprendimento que nos faz possível essa entrega e gratidão.
Por isso a relação da Eucaristia à nossa caridade, à nossa chamada santidade, à nossa justiça e verdade, ao nosso amor e capacidade de perdão, à nossa bondade.

A Eucaristia, comunhão com Jesus Cristo, é bem a força desta vida. Poderíamos dar aos nossos contemporâneos a outra face da Eucaristia. E poderíamos, antes e todos os dias, dar a outra face da Eucaristia a nós próprios.
Será, sem dúvida, esse o único ritmo e essa a única linguagem que os apaixonará pela vida de Jesus Cristo e nos colocará a todos em comunhão. Como tudo seria diferente se todas as nossas opções e decisões, projectos e realizações partissem daqui, da Eucaristia onde se ganha força para … dar a outra face.

Sem comentários: