terça-feira, setembro 12, 2006


A FORMAÇÃO DOS PADRES
- do Seminário para o Presbitério diocesano -
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Do Presbitério para o Seminário
O Seminário, lugar, tempo e experiência de formação dos novos padres, abriu novamente as suas portas. Este ano a nossa Diocese conta com quatro seminaristas no curso filosófico-teológico (em Coimbra) e mais um no Tempo Propedêutico (Leiria). Com os colegas de outras dioceses (Aveiro, Cabo Verde, Coimbra, Leiria, Portalegre – Castelo Branco) e com os formadores (Reitor, Prefeitos, Directores Espirituais) constituem no Seminário de Coimbra e no de Leiria, respectivamente, uma única comunidade de pessoas cuja finalidade e principal razão de ser é formar e preparar para o sacerdócio em Igreja.
O que define o perfil e identidade do padre é a identidade e a missão da Igreja. E sendo a Igreja, em Cristo, o sacramento ou sinal e instrumento da íntima união da humanidade com Deus e de toda a humanidade entre si, é natural que a mesma exija aos seus ministros expressões, atitudes, modos de vida que concretizem essa vocação e missão. E é natural que defina caminhos com identidade própria.
O Seminário, enquanto comunidade educativa, integra-se neste processo e está ao serviço desta finalidade. É o perfil dos padres que Deus quer na sua Igreja que determina os estilos de formação no Seminário. É por isso que, a seu modo e no seu tempo, o Seminário é a continuação na Igreja da experiência dos apóstolos que, reunidos à volta de Jesus, aprendem com Ele para serem também por Ele enviados.
E tudo começa, podemos dizer assim, na forma como nascem e se compreendem as vocações. O ritmo e dinamismo são sempre os do chamamento/resposta e, portanto, de desafio, de transformação, de crescimento, de superação.
A resposta segue-se ao chamamento. Não há oferecimento sem chamamento. E, da mesma forma que ser padre é ministério de fé, o chamamento e a resposta são uma experiência de fé. Mas, como em tudo, a fé não é uma abstracção, antes mostra a sua realidade no compromisso histórico. Quando, na experiência da fé, se comunga com Deus o fundamento da vida, a gratuidade (“eu para ti”) faz possível o “seguir-Te-ei, Senhor, para onde quer que fores … seguindo-Te não me perderei”.
É por isso que quem chega ao Seminário traz consigo a experiência de admiração deste ou daquele padre, a experiência de admiração de um presbitério nas suas acções, na sua dedicação, no amor com que acolhe e acompanha, em nome de Cristo, todos os baptizados. Ao contrário da comunhão presbiteral que desperta vocações, o individualismo pastoral resulta sempre em crise vocacional.

No Seminário. Que padres e para que Igreja ?
Um padre não pode ser tudo aquilo que a chamada opinião pública lhe pede que seja. Tem que ser muito mais! É bom que corresponda a essas expectativas mas partindo do fundamento pelo qual se fez padre e ministro da Igreja. A sua vida e ministério não são apenas uma correspondência directa às expectativas das pessoas de quem se está ao serviço e, no entanto, ao mesmo tempo, têm de as integrar. Não sendo, necessariamente, um ministério de tensão, é, contudo e sempre, um ministério de proposta, de anúncio, de desafio, de confronto, de catequese, de evangelização. Mas em nome de uma verdade maior: a de Deus que chama e quer acolher cada homem. “Convivência” e “diferença” fazem parte do seu dia a dia.
Que padres e para que Igreja? Esta interrogação, sempre oportuna, pode esconder, no entanto, uma ilusão: a de querer formar padres de um outro tempo para uma Igreja também de um outro tempo, ou seja, pessoas em abstracto para uma Igreja em abstracto. Para que hipotética Igreja do futuro estaremos nós habilitados a estabelecer o modelo de padre apropriado? E quando chegasse esse momento não estaríamos novamente fora de tempo? Mais, formar um padre é apenas ensinar-lhe um serviço concreto? Não será antes ajudá-lo a desenvolver uma atitude fundamental segundo a natureza do ministério apostólico tal como a Igreja o vive? É que formar apenas para um serviço determinado e “ocasional” não habilita nem prepara para a adaptação e reacção à evolução dos costumes e da vida. É melhor então ajudar a formar a capacidade de mudar do que fixar pessoas em tarefas que, dez anos mais tarde, se manifestam obsoletas. A atitude fundamental, numa época como a nossa de mudanças rápidas e imparáveis, creio ser a de se deixar formar por Cristo desenvolvendo uma humanidade tão rica quanto possível para o serviço dos irmãos. É por isso que não existe um tipo único de padres, mas uma infinidade de dons que evoluem com o tempo e a idade. Haverá homens de estudos, homens mais contemplativos ou “retirados”, homens do contacto e da relação, homens da iniciativa prática, homens …Para serem padres é, necessário, precisamente essa atitude fundamental de receber de Cristo a sua missão (o desafio do fundamento espiritual da vida). Dizer que se recebe de Cristo significa que se recebe de Outro e não de si mesmo. E isso é verificável na capacidade de colaboração em Igreja, na aceitação dos irmãos, na aceitação de regras objectivas, na aceitação de meios de formação permanente, na aceitação da Igreja tal como ela é.
Então o desafio conjuga-se no presente. É hoje. É hoje que Cristo chama. Este é o momento em que se corresponde ou não. É o momento em que se evangeliza pelo acolhimento e proposta ou não. Hoje não temos centenas de seminaristas, hoje não se ordenam grupos de 10 ou 15 padres. É hoje que, pela atitude, é preciso concretizar a proposta.
O Seminário aparece então como um primeiro passo específico numa longa caminhada de atenção e disponibilidade à vontade de Deus. A sabedoria da Igreja, longa de séculos, assume a experiência da vida comunitária como meio de formação. É o tempo em que cada um se descobre mais a si e descobre os outros. A partilha e o “confronto” não são apenas um método psicológico, são a experiência que faz chegar à profundidade do coração.

Do Seminário para o Presbitério
Um Seminário, comunidade formativa, é sempre um presbitério (o conjunto dos padres com o seu Bispo) em gestação. A Igreja, aliás, toda ela, é fundamentalmente um mistério de comunhão.
Cada seminarista, portanto, não se prepara sozinho para ser padre sozinho, mas prepara-se, desde já, no horizonte do presbitério diocesano. Quando é ordenado padre é recebido como irmão pelos outros padres e acolhe-os no mesmo dinamismo fraterno. O Seminário é, por isso, escola de presbitério. É uma fraternidade sacramental mais do que uma simples pertença comum. Por isso o Decreto conciliar sobre O Ministério e a Vida dos Sacerdotes exorta os padres mais experientes a que recebam os mais novos como irmãos e os ajudem nos seus primeiros empreendimentos e encargos do ministério; esforcem-se por compreender a sua mentalidade, embora diferente, e ajudem com benevolência as suas iniciativas. Do mesmo modo, os mais jovens reverenciem a idade e experiência dos mais velhos, aconselhem-se com eles, colaborem de bom grado (PO 8).
As novas situações fazem despertar novas maneiras de estar e viver em Igreja. E no acolhimento em presbitério continua gradualmente a formação de cada padre iniciada no seminário. É melhor preparar para ser capaz de reagir em qualquer momento e circunstância do que preparar para reagir apenas a uma situação. Para preparar o futuro, o essencial é transmitir àqueles que o vão viver a coragem da verdade e do amor.
Os jovens que hoje são ordenados padres não estão livres de defeitos e fraquezas. Mas possuem também imensas qualidades. Eles sabem-no ou descobrem-no durante a formação.
Seria uma ilusão pensar que poderíamos ter, ao sair do seminário, padres perfeitos, com “certificado de garantia” para uns quantos anos. Por isso o desafio é sempre o de vivificar e optimizar a capacidade de responder ao chamamento de Deus com os meios de Deus. A formação permanente é um trabalho contínuo que deve ajudar cada um a reconhecer as suas fraquezas e as graças recebidas, a identificar os meios que Deus concede para trabalhar na correcção das faltas e purificação dos pecados, a ver e contemplar os lugares de alimento para o caminho a que é chamado. É muito mais do que um “emprego”.
Cada padre realiza o ministério de Jesus Cristo no meio do Corpo eclesial. É pela sua boca e pela sua vida que Jesus diz: Este é o meu Corpo entregue por vós. Mas quando o diz não fala apenas em lugar de Jesus, di-lo com a sua própria vida, fala na primeira pessoa. Cristo diz-Se pela sua boca e entrega-Se pelas suas mãos. O padre é, portanto, testemunha de uma unidade e de uma entrega cuja medida não é o seu gosto pessoal, nem as suas paixões, nem as suas ideias, mas sim aquela que Cristo quer. Como dirá S. Bernardo, a única medida do amor é não ter medida.


P. Emanuel Matos Silva

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