segunda-feira, junho 01, 2009




Bendizer e dizer bem



Esperança forte para certeza débil

O Santo Padre, o Papa Bento XVI, desafiava há tempos atrás a Igreja a falar menos de si mesma e a anunciar mais a Jesus Cristo propondo o seu seguimento às mulheres e homens de hoje no concreto e no real das suas vidas. O Santo Padre desafiava assim a Igreja a que, partindo da sua identidade de sacramento e de sinal de Jesus Cristo (a Luz dos Povos como Lhe chama a Lumen Gentium) no meio da humanidade, testemunhasse o fundamento da sua fé e da sua esperança. É para isso que Cristo a quer e a constitui. Trata-se, na caridade e na evangelização, de uma Igreja rendida ao seu Mestre e Senhor Jesus Cristo e com capacidade criativa. Uma Igreja que faz aquilo em que acredita.
Acreditar e saber sempre andaram juntos. Acreditamos e, então, compreendemos melhor. Compreendemos e, resultado de experiência, acreditamos mais. Mas nunca a fé cristã resultou apenas da adesão intelectual do pensamento à realidade de Jesus de Nazaré. Como também nunca resultou apenas e exclusivamente da adesão emocional à mesma verdade. Deus fez tudo muito bem feito: aderimos e amamos o que faz sentido mesmo que isso exija esforço já que o esforço é tempo de nascer e de fazer acontecer aquilo que se ama.
A fé é uma questão de confiança, um saber por confiança que se traduz em segurança de vida. Então, para lá da adesão apenas do pensamento, a fé consiste também e antes de tudo, num compromisso da pessoa toda com a Pessoa e os passos de Cristo; consiste no facto de referenciar e remeter toda a vida para Cristo, numa entrega total, renunciando à vontade de desprezar o que quer que seja que esse caminho nos revele como caminho de Cristo.
“Agora vemos … por isso acreditamos que saíste de Deus” (Jo 16, 19) diziam os discípulos de uma determinada hora a Jesus. Mas deixam-se cair num erro: dizem que acreditam porque vêem que Jesus sabe tudo, que sabem eles também, que compreendem, que experimentam, que tocam e até, porventura, que dominam todo o acesso do conhecimento à Pessoa de Jesus. Tudo lhes parece claro acerca de Jesus. Pensam acreditar mas, na verdade, ainda não aderiram plenamente na fé à Pessoa de Jesus. E o mesmo erro repete-se. Na fé e no acreditar nunca está tudo feito de uma vez para sempre. Aquilo que retirasse o esforço è fé e ao acreditar, acabaria por lhe retirar também a alegria e a capacidade do compromisso.
Jesus percebeu bem o equívoco dos seus discípulos e a, ainda, insuficiência da sua confissão de fé. É por isso que, permanentemente nos Evangelhos, os reenvia para a Hora da sua Paixão. Essa é a prova suprema e será para os discípulos o lugar da verificação da sua fé e do seu seguimento. Jesus fá-los imaginar para os fazer alargar o horizonte de compreensão.


Imaginar o que Deus nos quer

É quando um desejo é difícil de realizar, que a esperança tem de preencher o largo espaço dessa realização. E é aí que acontece sempre um propósito, um desafio, um compromisso, um voto, uma promessa. A esperança mais débil é para a certeza mais forte e a esperança mais forte é para a certeza mais débil. Por isso se exige “aos que se comprometem” uma fé tanto mais ardente, amorosa e gratuita quanto mais difícil é o “milagre” que desejam. Quem espera já faz acontecer. Esse é o exercício do permanente envolvimento com Deus para que a história de todos os dias tenha sentido, um exercício de coragem e de simplicidade, de fortaleza de confiança.
Falar da esperança e do testemunho de Jesus Cristo no mundo de hoje como um exercício de coragem e de simplicidade, um compromisso de fortaleza de confiança, é sublinhar o lugar da imaginação na vida espiritual dos cristãos.
Algumas abordagens da imaginação referenciam-na como algo próximo da ilusão e da projecção e, por isso, algumas vezes perigosa. Muitos, nesse sentido, que se imaginaram muito além das suas possibilidades e realidades, nunca foram capazes de assentar e, por isso, tornaram-se irresponsáveis e inconsequentes.

Mas já Sto. Inácio de Loyola sublinha a importância da imaginação na oração e na vida cristã como composição do lugar. Ela será uma experiência positiva na medida em que o desejo de Deus se pode sempre transformar em desejo de crescer e de amar infinitamente. E por isso a imaginação pode ajudar a transfigurar as experiências de cada dia e de cada hora. Como seria diferente a vida de todos os dias se Jesus me acompanhasse cada momento da vida como aos primeiros discípulos. Vamos imaginá-l’O ao nosso lado – dir-nos-ia Sto. Inácio – e perceber o que nos diria nesta situação concreta e real, neste momento da vida. E aí a imaginação dá frutos reais em experiências que orientam.
Imaginar é sair. A imaginação teologal e cristã tem, de facto, o dom de nos retirar à rotina de todos os dias e de todos os processos que criam círculos viciosos. Arranca-nos às palavras ressabiadas de desencanto, não deixa que sejamos sempre levados por denominadores comuns despersonalizados, não nos impede a reflexão, não nos deixa prisioneiros do “politicamente, ou eticamente, ou religiosamente, correcto sempre tão confortável, não nos deixa escravos do meio ambiente nem das valorizações sociais com que, às vezes, se compram as consciências e silenciam as inquietações.
É a imaginação, de facto, que impede que se olhe para o homem apenas como unidimensional (de uma ideia só). É a imaginação que impede que se olhe para a pessoa sempre como algo previsível e controlável. É a imaginação ainda que tem a arte de desconfiar das evidências fáceis, e que tem igualmente a coragem de abrir o que alguém quis, indevida e apressadamente, encerrar. Num mundo de coisas compactas, a imaginação cristã é arte de encontrar as brechas para, paradoxalmente, reflectir a unidade e harmonia. Quem é capaz de “imaginação”, é também alguém difícil de formatar.
Mas a imaginação cristã, é ainda e também aquilo a que podemos chamar um acto de inteligência, uma verdadeira fecundação da razão. Imaginar é desenvolver as possibilidades.
É uma imaginação mística porque murmura continuamente ao espírito humano a possibilidade da transcendência num mundo de certezas horizontais e imediatas; desaloja as leituras materialistas, unidimensionais; permite que o tempo não seja apenas instrumento de prazer ou de rentabilidade, mas saiba a comunhão com a eternidade; faz-nos acreditar no lugar da contemplação num mundo de hiperactividade nevrótica; desenvolve a possibilidade dos desejos profundos como orientadores de todas as lutas; ela forma corações fortes e desempoeirados, mãos fortes e fraternas.

Igreja, mestra de esperança

Jesus conhece bem a prova de fé a que, quotidianamente, os seus discípulos estão expostos. Jesus conhece bem a experiência de solidão e de aparente abandono por todos a que a fé os conduzirá. Mas é a vitória da sua Paixão por amor que abre para uma vitória sobre o que dispersa, endurece o coração, se enraíza como indiferença ou, ainda pior, está constantemente a condenar os outros. Sem a confiança (a fé) não há vitória sobre tudo o que despersonaliza e destrói.
Diz bem o povo quando afirma que “quem não se fia não é de fiar”! A experiência do povo leva-o a dizer que quem vive a sua vida desconfiado de tudo e de todos deixa azedar o coração na suspeição habitual e não arrisca ser criador de caminhos novos com a mais valia da gratuidade e do amor. Esse que não se fia, e por isso não é de fiar, será alguém que vive sempre como espectador hiper-crítico da realidade mas espreitando a oportunidade para dela usufruir. Fica de fora a gratuidade, condimento essencial das vidas positivas e fecundas.
Ouvimos dizer muitas vezes que o nosso século está a nascer de costas voltadas para os valores, para a moral, para Deus e para a transcendência. E quando se embarca no tema e no horizonte que lhe preside, não raras vezes, julgam-se pessoas e sociedades em processos sumários.
Será que os séculos anteriores foram assim tão puros em relação aos valores, à moral, a Deus ou à transcendência? Meramente a título de exemplo, o século anterior viu acontecerem duas guerras mundiais e muitas outras. Viu a expressão máxima da desumanização em campos de concentração e outras experiências. Viu a bomba atómica, viu a afirmação reiterada de outros século de que não existia Deus e viu a confissão que de, afinal, existe e existirá, etc.
Para mudar e converter, é preciso imaginar. A imaginação – a tal arte de encontrar as brechas para, paradoxalmente, reflectir a unidade e a harmonia das coisas e das vidas - inspirada pela Graça, conduz ao encontro com Deus. Inspira os gestos, os estilos, as formas de viver. Alimenta e fortifica a fidelidade e a confiança e torna possível aquilo que alguns julgam impossível: viver no mundo sem se reduzir à perspectiva meramente horizontal do mundo.
Se, em vez de “dizer mal dos não baptizados”, a Igreja soubesse desafiar (dizer bem) para a beleza da segundo Jesus Cristo; se, em vez de “criticar os cristãos que não vão à Missa”, a Igreja fosse capaz de os entusiasmar (dizer bem) para estarem presentes; se, em vez de lamentar as “fugas ao sacramento da reconciliação”, a Igreja acolhesse (dizer bem) com tempo os pecadores; se, em vez de dizer mal dos divorciados, a Igreja fosse capaz de dizer bem do seu projecto de família cristã e de as acompanhar; se, em vez de se entreter (dentro e fora) com avaliações morais e acusações permanentes, a Igreja propusesse o sentido da diferença como mais valia e mantivesse com serenidade a sua identidade; se, em vez de ir atrás a lamentar, a Igreja fosse à frente a desafiar … estaria seguramente a fazer aquilo a que o Papa Bento XVI a desafiou como Igreja de Cristo e a ser fermento de mundos novos.
Imaginar o bem leva-nos a comprometer com ele. E dizer bem é a primeira, e às vezes, a melhor forma de bendizer a Deus. Ser capaz de lutar pelo bem significa que já se imaginou o bem e a bondade. Imagine-se.


p. Emanuel Matos Silva
pde.emanuel@gmail.com

1 comentário:

Anónimo disse...

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