segunda-feira, setembro 04, 2006

Jesus Cristo
- Homem Novo para renovar o homem -
- IV -

5. Já sabes quem és ou é preciso dizer-te?
- Jesus revela-Se revelando ao homem a sua própria verdade -
Em todos estes exemplos vivos de Jesus vemos como Jesus se comporta não apenas como verdadeiro homem, mas também como um homem verdadeiro, alguém que realiza totalmente a sua vocação de homem. Neste sentido, olhando para a sua vida, podemos dizer que Jesus é a verdade do homem na medida em que Ele revela aquilo que cada pessoa é e o que pode vir a ser.
Evidentemente que a vida terrestre de Jesus tem como finalidade revelar o mistério de Deus. Mas essa revelação do mistério de Deus acontece na revelação do homem a si mesmo. E é por isso que a primeira coisa que os relatos evangélicos nos convidam a fazer é a saber se podemos aderir a um testemunho que nos revela toda a profundidade do ser humano. É esse o sentido da encarnação de Jesus. E é como homem que, num primeiro momento, O devemos acolher, um homem cuja palavra e comportamento nos atingiu n o mais íntimo de nós mesmo para nos compreendermos melhor e nos deixarmos conduzir a Deus. Foi isso que Jesus fez ao querer partilhar as situações normais da vida humana.

E em que consiste a verdade deste homem que Jesus nos revela ? Podíamos resumi-la neste termo: para. Jesus é um homem que vive para os outros. Para os outros, homens, seus irmãos e para o Outro, Deus seu Pai. Toda a sua vida tem este grande horizonte: nenhum traço de egoísmo ou de fechamento sobre si mesmo, mas uma inteira disponibilidade e entrega pelos outros e a Deus. E é neste viver para os outros que Jesus Se vai revelando mais do que um simples homem. Há n’Ele mais do que em Jonas ou em Salomão. É este mais que é significativo no Evangelho. Em Jesus a sua única existência reenvia ao ser do homem e ao ser de Deus. Jesus é Deus e é homem.

É desta forma que o seu testemunho é credível. As respostas que traz o acontecimento da revelação não são significativas senão enquanto estão em correlação com as questões que dizem respeito ao conjunto da nossa existência. Apenas aqueles que viveram por experiência o choque do transitório, a ansiedade que vem da consciência da finitude, a ameaça do não-ser, podem compreender o que significa a noção de Deus. Apenas os que fizeram a experiência das ambiguidades trágicas da nossa existência histórica e que colocam totalmente a questão do significado da sua existência, podem compreender o que significa o Reino de Deus[1].

6. A vida não são só palavras e intenções
- Paixão e a Cruz de Jesus -
O sentido da vida e o sentido da morte são um todo (uma unidade). A maneira de morrer sela e perpetua, muitas vezes, o sentido de uma existência. Então podemos dizer que enquanto Jesus não enfrentou esta experiência suprema, o sentido definitivo da sua vida, das suas palavras e das suas acções, ainda estava incompleto.
Como é que Jesus entendeu e viveu a morte? Que sentido lhe atribuiu? Certamente que Jesus contou com uma morte violenta. A experiência do seu ministério e a vaga de oposição que provocou devem ter-Lhe dado essa consciência de que uma morte violenta estava iminente.
É importante afirmar, desde já, que neste contexto, a iminência da morte não surgia a Jesus apenas como uma eventualidade, mas sim como uma realidade a que Jesus atribuía um sentido de verdade em estreita relação com a sua missão.
Em todo o contexto da vida e missão de Jesus, a paixão é o grande momento de verdade de Jesus: a sua atitude fundamental de Dom-de-si-mesmo conduz Jesus à aceitação da morte como evidência dessa verdade. Estamos então, de novo, diante desta grande marca da existência de Jesus que é a de ser uma existência-para…, uma pro-existência. E essa é, de facto, a realidade que dá sentido à morte de Jesus: uma existência para o Pai e para os irmãos (lei na vida e lei na morte). Um Jesus que viveu para e por vai morrer igualmente para e por.
É-nos possível perceber ainda melhor o sentido que Jesus deu à sua morte se tivermos presente a cena evangélica da instituição da Eucaristia. Por este gesto não-habitual Jesus dá a este cálice o valor de um Dom pessoal que é feito aos seus [...]: o pão partido e partilhado é o corpo entregue; o cálice que circula de mão em mão é a Nova Aliança no Sangue[2]. Jesus estabelece, portanto uma relação entre a sua morte próxima e este pão e este vinho. O corpo não é apenas algo material, mas é a unidade da própria pessoa. Esta é a expressão do Dom da sua vida que Jesus faz. Então a morte de Jesus é um Dom de si mesmo: Dom do amor, mais forte que a morte e Dom da comunhão. Jesus morre na acção de graças ao Pai e na partilha de si com os seus.

7. Esperar para além dos nossos limites – a única esperança que vale
- A Ressurreição de Jesus -
Para completar o caminho que vai de Jesus pré-pascal ao Cristo pascal temos de abordar a ressurreição e a experiência pascal dos discípulos. A ressurreição de Jesus está no coração da fé cristã como o estão a paixão e a cruz. Define-se mesmo o cristão como aquele que acredita em Jesus ressuscitado de entre os mortos.
Os Evangelhos mudam de tom quando falam da ressurreição de Jesus. Enquanto a paixão, crucifixão e morte de Jesus foram públicas, a ressurreição encontra-se atestada quase de maneira confidencial. Jesus manifesta-se aos discípulos – homens e mulheres - que já O conheciam. O anúncio público da ressurreição é, só depois, obra destes mesmos discípulos que falam em nome da fé. Reconheceram Jesus ressuscitado não apenas com os olhos do corpo, mas com os olhos da fé. E este é um testemunho original. Jesus manifesta-Se-lhes como o mesmo, Aquele que eles conheceram e agora “reconhecem”, mas sob uma outra forma na medida em que o modo de comunicação que os discípulos têm com Jesus mudou completamente. Há novidade e há continuidade. A sua presença vem do mundo divino, do mundo de Deus. E, por isso, só pode ser reconhecida neste âmbito. A ressurreição afirma, sobretudo, a chegada e presença dos tempos definitivos e plenos. Jesus é o primeiro a ressuscitar e a sua ressurreição afirma-se como sucesso, como plenitude e sentido de uma viva e de uma verdade. Por isso a sua ressurreição não significa um regresso à vida anterior, mas significa sim uma superação da limitação da existência histórica espacio-temporal. Jesus não regressa á corruptibilidade, vence-a definitivamente.

É desta forma que, no Jesus que os discípulos reconhecem, se revela definitiva e insuperavelmente Quem é Deus: para lá descontinuidade histórica que a morte provocou, persiste uma continuidade da presença de Jesus Cristo. A ressurreição assume assim o carácter de confirmação definitiva da pessoa e obra de Jesus: é a unidade íntima de um acontecimento histórico e de fé.

A decisão pró ou contra ressurreição e da fé pascal não se refere então a determinados sucessos maravilhosos, mas equivale sim a saber se se está decidido a contemplar a realidade a partir de Deus e a confiar-se a Deus na vida e na morte. E essa decisão significa responder à questão sobre se alguém pensa viver apenas a partir de si mesmo, das suas possibilidades, ou se, ao contrário, tem coragem e ousadia para viver a partir d’Aquele que não se pode manipular, que não se pode possuir.
A fé pascal é, portanto, um ataque a todas as concepções de mundo fechado sobre si mesmo e absolutizado em si próprio sem deixar espaço às possibilidades criadoras de Deus e do homem renovado.
E, de facto, a fenomenologia da esperança mostra-nos que pertence à natureza do ser humano o esperar para além da morte. Esta interrogação traduz-se em esperanças que levam o homem para lá da morte num outro modo de existência. Recapitulando todos os limites e contradições da sua condição trágica e dramática, o homem sente e vive de uma necessidade radical de salvação: ser salvo é viver, viver todo, inteiro, viver absolutamente. Por isso, e voltando um pouco atrás, Jesus não é reconhecido por uma simples percepção sensorial mas pela fé e pelas palavras que explicam o sentido das Escrituras e da esperança humana – a ressurreição não poderia converter aqueles que não conheciam a Jesus e não estivessem preparados (avisados) para O receber.
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[1] Paul TILLICH, Théologie Systematique, 127.
[2] Bernard SESBOUÉ, op. cit.

1 comentário:

Anónimo disse...

olá Sr. Director!
Isto está cada vez melhor.
Podia, no corpo do texto, fazer uns destaques que facilitassem a leitura: negritos e itálicos.
já agora, eu sei que vida do mosteiro é diferente, mas o dia continua a ter só 24 horas, por isso 24.15 parece-me um exagero, era melhor oo.15.
um abraço amigo!